Nota da Convergência pelo Clima sobre a participação social no PMAMC

16/09/2020

A falta de participação social nas decisões, planos e investimentos do poder público, seja pelo Governo Federal, Estadual ou municipal não é novidade. Esse é um desafio que infelizmente nenhuma gestão recente, seja de Salvador ou da Bahia, superou. No entanto, todas elas têm em comum a afirmação de que seus projetos passaram por ampla consulta popular – geralmente anexa a esta afirmação vai a lista de presença das várias reuniões realizadas. 

Sabemos que isso acontecerá também no caso do Plano de Mitigação de Adaptação às Mudanças Climáticas de Salvador (PMAMC). Mas enquanto não houver mudança significativa na condução da elaboração do plano em questão, a Convergência pelo Clima, rede que congrega mais de 50 instituições e coletivos das mais diferentes atuações, não poderá referendá-lo como realmente participativo. Não importa quantas listas de presença com nossos nomes sejam apresentadas.

O PMAMC vem sendo elaborado pela prefeitura através de um consórcio empresarial de fora de Salvador. O plano é uma iniciativa louvável e parte de necessidade urgente de preparar nossa cidade para a crise climática que já é realidade. O consórcio contratado para executar tal tarefa é experiente e capacitado tecnicamente, mas seus profissionais não estão familiarizados com a realidade local, o que torna a participação dos cidadãos, ativistas, técnicos e acadêmicos locais ainda mais imprescindível.

Apesar disso o que temos observado é que enquanto, formalmente, a participação existe, na prática a metodologia não tem conseguido absorver os desejos e preocupações da parcela da sociedade civil organizada que tem conseguido estar presente. Ainda menos da maioria da população que ainda segue sem representação no processo. Lista de presença não é escuta. Registro de reunião sem encaminhamento concreto das demandas apresentadas só mostra que seus participantes perderam tempo. Espaço de fala sem a materialização das urgências em ações e planos do poder público vale tanto quanto continuar em silêncio.

Não bastasse a metodologia falha, no meio de agosto fomos surpreendidos por uma nota na conta de Instagram da SECIS comunicando que, por conta do período eleitoral, as atividades de participação e controle social do plano estavam suspensas. Isso significa que a parte central do plano, com as diretrizes e ações propostas para o município, serão elaboradas sem a população. A Convergência pelo Clima não reconhece nenhum motivo plausível para tal paralisação, já que a lei eleitoral não veda reuniões para execução de políticas públicas já em andamento. Nossa impressão é de que esta foi uma desculpa para finalizar de vez um processo de participação que já não ia bem e contamos com o bom senso dos gestores municipais para que sejam retomadas as atividades sem a necessidade de providências mais enfáticas.

Listaremos alguns outros pontos que ao longo do processo de construção do PMAMC reduziram muito a qualidade da participação social:

Termo de Referência e prazo para execução: muitas das demandas apresentadas à equipe de elaboração do plano são negadas com a justificativa de pouco tempo disponível ou do escopo limitado do contrato. Entendemos que o consórcio esteja realmente limitados por esses fatores, mas se a sociedade civil e academia tivessem participado do processo de construção desse termo de referência certamente teriam apontado que o prazo de 8 meses (extendido para 10 meses) é insuficiente para o efetivo envolvimento da sociedade local.

Ausência de representação da sociedade civil nos espaços decisórios do plano: Para a execução do plano foi criado um Grupo de Trabalho composto somente por secretarias da prefeitura. A incidência da sociedade civil seria através das Câmaras Temáticas do Painel Salvador de Mudança do Clima, no entanto, segundo relatos de integrantes, eles não têm sido acionados.

Validação atropelada dos produtos  – As reuniões do PMAMC têm sido realizadas virtualmente devido à pandemia. Na reunião onde foi apresentado o estudo preliminar dos índices de risco climático para a cidade, um dos participantes teve que interromper de forma eloquente a fala dos mediadores para evitar que a metodologia proposta desse como aprovado o estudo que ainda continha inúmeros erros e inconsistências e que não havia sido repassado previamente na íntegra para os participantes analisarem tecnicamente. A partir das críticas foi realizado um processo de escuta que prometia melhorar o processo, no entanto o que se seguiu foi um sequência de encontros onde eram ofertadas formações em temas relevantes e pertinentes, mas que não eram as pautas identificadas na escuta e nem incidiam diretamente no plano. O processo de consulta sobre as diretrizes do plano foi iniciado sem a conclusão e apresentação do diagnóstico, o que seria metodologicamente imprescindível para que elas fossem delineadas. 

Comunicação de Mão Única – Um grupo de whatsapp foi criado para facilitar o repasse de informações e discussão, mas a partir do recebimento de críticas, a equipe do plano optou por transformá-lo em uma lista de transmissão, fechando o diálogo. O mesmo foi acontecendo paulatinamente nas reuniões que passaram a contar com interferência dos participantes somente via chat, com os comentários e respostas a essas observações sendo selecionados pelo mediador do encontro. Esse processo culminou na apresentação da versão definitiva do documento, onde não foi prevista fala para representantes da sociedade civil e mais uma vez foi necessária a interrupção para que a perspectiva dos cidadãos pudesse ser colocada em meio às falas congratulatórias das autoridades.

Pouco subsídio técnico para participação: Até o momento dois componentes do plano foram submetidos à sociedade civil para avaliação: a avaliação de índice de riscos climáticos e a proposta preliminar de diretrizes para o plano. Nos dois casos a metodologia proposta pedia a aprovação durante a reunião virtual, sem envio prévio dos documen para análise. Após insistência dos presentes foram acordados novos prazos para contribuições com o envio dos documentos, mas estes chegaram sem o detalhamento necessário à sua análise e o tempo reservado para isto era sempre exíguo. No entanto as devolutivas da equipe de elaboração são frequentemente adiadas, como a apresentação das diretrizes que segundo o calendário seria compartilhada na segunda quinzena de agosto, o que não aconteceu.

Inventário de Gases de Efeito Estufa não validado: A atualização para 2018 do Inventário de Gases de Efeito Estufa do município foi apresentada já finalizada. Não houve consulta e validação deste produto pela sociedade que apresentava um erro grave, a não contabilização de 37 hectares de desmatamento registrado no ano pela própria fonte dos dados indicada na metodologia. Não sabemos que falhas mais pode conter o documento, uma análise cuidadosa e interdisciplinar pelos inúmeros especialistas interessados em colaborar com a equipe, poderia garantir a qualidade dos dados.

Falta de Integração com os demais planos municipais: O Plano Municipal de Mata Atlântica de Salvador está em fase de aprovação e possui diagnóstico e plano de ação fundamentais para traçar as ações de mitigação e adaptação à crise climática, no entanto esse material não está sendo utilizado no PMAMC. Os planejamentos traçados para o território no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e no Plano de Mobilidade também não estão contemplados no PMAMC, que faz as projeções futuras dos efeitos da mudança de clima em uma Salvador estática, sem crescimento populacional, adensamento urbano e obras de infraestrutura previstas nesses planos.

Com todos esses problemas metodológicos não podemos afirmar que a participação social na construção do PMAMC se efetivou. Isso foi constatado enquanto ainda existiu uma tentativa de interação, com a paralisação das atividades de participação e controle social o quadro se torna mais grave ainda e o resultado deve ser um plano distante das expectativas da sociedade civil em geral.

Convergência pelo Clima

Salvador, setembro de 2020

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