Após protesto, MEZ Energia se compromete a paralisar desmatamento no Quilombo da Cambuta

04/03/2022

Quilombolas da Cambuta e de outras comunidades de Santo Amaro e Cachoeira realizaram protesto nesta quinta (3) contra obra realizada pela Mez Energia em seu território sem consulta prévia. As comunidades estiveram na sede da empresa em Santo Amaro e após negociações conseguiram o compromisso de paralisação da obra até o dia 17. Eles também representaram ao Ministério Público apontando os danos ambientais no território pesqueiro que garante a subsistência da comunidade e a falta de consulta prévia, livre e informada conforme determina a Convenção 169 da OIT, assinada pelo Brasil. 

A obra já foi alvo de embargo do INEMA desde o dia 23, mas a MEZ seguiu trabalhando e degradando o território quilombola sob a alegação de que não foi notificada pelo órgão estadual do meio ambiente. O desmatamento está sendo realizado para instalação de uma linha de transmissão de energia.

No fim de janeiro uma equipe a empresa chegou ao Quilombo da Cambuta e passou a desmatar uma das poucas áreas conservadas do território – antes preservado, ele foi englobado pela expansão da área urbana de Santo Amaro. A comunidade foi pega totalmente de surpresa, apesar da obrigatoriedade da consulta prévia por parte dos empreendedores a comunidades tradicionais impactadas por suas intervenções. Claudia Santos, liderança quilombola de Cambuta relata que quando a destruição começou não sabiam nem qual era a empresa responsável, se havia licença ambiental ou se era uma ação clandestina:

“A chegada da empresa de torre de energia foi uma grande surpresa para todos nós do Quilombo da Cambuta. Acordamos pela manhã com caminhões e homens invadindo o território, sem pedir licença, sem protocolo, sem comunicar a comunidade e as lideranças. O medo do nosso povo é grande porque não sabemos os impactos que essa empresa pode causar no solo, no meio ambiente. Eles vão implantar essas torres dentro do mangue, em área de pesca da comunidade”, relata Claudia.

A partir de denúncias, o Inema realizou inspeção na área no início de fevereiro. Apesar de devidamente licenciado pelo órgão estadual, em consulta aos documentos, foi constatado que as condicionantes do licenciamento da obra não foram cumpridas. Isso porque as exigências incluíam a consulta às comunidades quilombolas em um raio de 5km, mas a existência  dos quilombos de Cambuta e São Braz foi completamente ignorada. A obra foi licenciada e iniciada como se as duas comunidades, reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares, e com processo de demarcação iniciado no Incra, não vivessem no local há mais de um século. Como consequência dessa grave omissão, o órgão estadual determinou o embargo da obra no último dia 23.

O auto de infração lavrado pelo Inema baseou-se na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, assinada pelo Brasil. Esse tratado internacional determina que intervenções, legislações e políticas públicas que possam afetar povos indígenas e comunidades tradicionais devem sempre realizar processos de escuta prévia, livre e informada para que as comunidades tenham voz na tomada de decisão. Na Bahia, essa diretriz está presente na lei estadual 10.432/2006, regulamentada pelo decreto estadual 14.024 de 06/06/2012.

As Defensorias Públicas do Estado e da União vêm atuando no caso e estudam medidas conjuntas. “Estamos na defesa da comunidade, do território tradicional, e no combate ao racismo estrutural e ambiental. As empresas não fazem isso em terras de pessoas da classe alta, fazem nos territórios das comunidades pesqueiras, nos quilombos. Estamos envolvendo os defensores das unidades territoriais cortadas pelo empreendimento, e teremos uma atuação conjunta em busca dos direitos das comunidades afetadas”, explica a ouvidora da DPE, Sirlene Assis. 

Defensoria aponta danos ambientais e quer ouvir os municípios

Sirlene também aponta que os problemas do empreendimento não param somente na falta de consulta às comunidades quilombolas, mas devem apresentar também muitos danos ambientais e a emissão de radiação magnética que dificulta a sobrevivência de fauna e flora nos arredores das torres elétricas. 

A linha de transmissão terá 102 km de extensão, cortando os municípios de Cachoeira, Candeias, Cruz das Almas, Dias D´Ávila, Santo Amaro, São Félix, São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé e Sapeaçu. Ao longo de sua extensão, está prevista uma faixa de servidão de 60 metros, acarretando a necessidade de quase 20 hectares de desmatamento.

A ouvidora aponta que na segunda quinzena de março devem ser realizadas audiências públicas nos municípios afetados para envolver as prefeituras e câmaras locais na discussão dos impactos da obra. 

“Essas áreas em que eles vão colocar torres, algumas são perto do mangue, outras dentro. São áreas de pesca, vão causar um impacto ambiental muito grande e ainda tem a radiação de energia. É o caminho que os pescadores fazem, vamos ter que passar por baixo desses fios, há risco de câncer. Os animais não ficam perto. É uma situação muito ruim, já temos poucas áreas de pesca no território. Além disso, tira a beleza do lugar, apaga as nossas memórias, tira nosso direito de ir e vir”, aponta Claudia dos Santos.

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