26/02/2025
Entre os dias 20 e 21 de fevereiro, o Gambá realizou em Seabra, na região da Chapada Diamantina, a Oficina Bahia de Alinhamento dos Projetos do Fundo Casa Socioambiental. O encontro, organizado com o apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS), reuniu organizações e representantes de comunidades afetadas por empreendimentos ligados à mineração, energia eólica e solar na Bahia, e discutiu os impactos desses modelos no estado. Além disso, a iniciativa debateu a importância das Salvaguardas Socioambientais para Energia Renovável para proteger os territórios e os povos que neles habitam.
Com uma programação que deu destaque ao debate coletivo entre os participantes, o encontro buscou construir uma linha do tempo para retomar o processo de desenvolvimento das Salvaguardas e discutir como elas podem ser úteis nos territórios. O documento, que sistematiza diversos mecanismos de proteção para as comunidades, foi construído pelo Gambá e diversas organizações para fortalecer a organização comunitária frente ao avanço das grandes empresas.
Maria Rosa Alves, do Movimento Salve as Serras (SAS), avalia que o evento teve um importante papel de estreitar a relação entre os projetos e territórios presentes.
“Eu considero um encontro muito positivo, porque significou a estruturação de uma rede de articulação entre os projetos, e, principalmente, entre grupos que estão trabalhando, que estão enfrentando as energias renováveis, a mineração”, destaca.
Rosa também salienta a importância do encontro pra fortalecer o Nordeste Potência, coletivo que reúne dezenas de organizações que atuam no sentido de ampliar o debate sobre os impactos das energias renováveis e propor alternativas que protejam o meio ambiente e as comunidades afetadas pelos megaempreendimentos.
“Esse ajuntamento de pessoas trouxe a possibilidade dessa rede continuar, desse grupo atuar junto, um apoiando o outro, e isso traz fortalecimento e capacidade de dar passos maiores do que a gente deu até aqui. Uma outra coisa que eu destaco também é o fortalecimento do Nordeste Potência como um coletivo que se torna mais amplo, se torna mais forte, mais representativo”, diz.
Além do Movimento Salve as Serras, o encontro também reuniu representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Associação da Comunidade do Deserto, Associação Afro Brasileira Quilombo Erê (ATABAQUE), Observatório dos Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina (OCA), União Municipal em Benefício de Uibaí (UMBU), Instituto Nascentes do Paraguaçu (INP), Comissão Pastoral da Terra (CPT), ClimaInfo e Revolusolar.
Povo organizado
Outro elemento de destaque da discussão foi a importância de fortalecer a formação e a organização popular nos territórios para enfrentar os megaempreendimentos. Marcos Souza, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), aponta que uma das estratégias das empresas é individualizar questões que são coletivas. Por isso, fortalecer a relação comunitária é essencial para enfrentar esse problema com mais força.
“Esses empreendimentos têm uma característica que é de individualizar os processos, individualizar as questões, mesmo se tratando de comunidades coletivas, de comunidades tradicionais. Então a organização popular é essencial para garantir que, na implementação desses projetos, haja uma participação ativa das populações atingidas. E que essa implementação seja feita de maneira transparente, que respeite, sobretudo, as vozes e as decisões dessas comunidades”.
O jovem, que atualmente mora em Juazeiro, no norte do estado, também destaca que a organização coletiva é capaz de propor alternativas aos modelos energéticos, assumindo um papel central no debate sobre desenvolvimento e soberania no país.
“A organização popular entra também como protagonismo e construção de alternativas a partir dos movimentos sociais, dos povos indígenas, das comunidades quilombolas, dos camponeses, que têm a capacidade de lutar contra essa lógica predatória que tem chegado no Brasil e de pensar soluções que realmente atendam as necessidades das populações e respeitem o meio ambiente. Então eu acho que a organização popular pode fortalecer uma luta por um modelo energético que seja realmente soberano, que prioriza, sobretudo, o acesso da energia para todos e todas e que respeita os territórios”, ressalta.
Sonhar um outro mundo possível
A arte e a mística também foram elementos centrais para impulsionar a reflexão dos participantes. Gislene Moreira, pesquisadora da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), membro do Observatório dos Conflitos Socioambientais da Chapada Diamantina (OCA) e multiartista, apresentou o espetáculo “Sertões Contemporâneos”, que narra as transformações políticas, sociais e culturais do território ao longo das últimas décadas.
Segundo a professora, a apresentação, chamada por ela de “piseiro crítico”, expressa “como é que a gente pensa as mudanças e as transformações no sertão do ponto de vista das mulheres, das transformações na nossa música, culinária, na nossa identidade, e traz isso pra que a gente possa discutir com quem vive essa realidade”, aponta.
Como pesquisadora, Gislene também ressalta que tem estudado a relação entre cultura e energia, e reflete como o sonho e os imaginários que criamos sobre determinado assunto tem o poder de nos mobilizar.
“A gente está falando de uma sociedade que foi movida pelo sonho de riqueza fácil, de prosperidade, que estabeleceu uma fantasia de fazer uma industrialização que é pirotécnica, que saiu queimando combustível. A gente tocou fogo no planeta inteiro, a gente está há séculos botando fogo e achando isso o máximo. Então como é que a gente muda esses imaginários, por exemplo, pra estabelecer uma relação com o fogo, com as energias, como os povos do sertão estabeleceram ao longo de milênios? Essa população afro-indígena que se estabeleceu nas serras, que manteve esses ecossistemas e que pensa, inclusive, energia de outra maneira”, reflete.
Com esperança, Gislene aponta que debater as Salvaguardas é um passo importante, mas que é o ponto de partida para ampliar ainda mais os nossos horizontes de futuro.
“A Salvaguarda é uma resposta imediata a um problema concreto que é o das energias renováveis, que atendem aos interesses externos e não aos nossos. Mas acho que ela é o ponto de partida para a gente discutir energia, de como é que a gente queria sonhar um outro mundo. E acho que a gente está no comecinho de construir esse imaginário novo, desse mundo novo”, finaliza.