29/06/2022
A Câmara Municipal de Salvador vem promovendo irregularmente, desde 2020, uma série de modificações no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) aprovado em 2016. Foram identificadas ao menos seis leis com emendas inconstitucionais aprovadas na casa. Diante das irregularidades, um conjunto de 20 organizações protocolou hoje (28) uma representação pedindo intervenção do Ministério Público contra a lei 9.603/21. A lei realiza mudanças no conteúdo do Plano Diretor e da Lei de Uso e Ocupação do Solo, contrariando a Constituição da Bahia e a própria Lei Orgânica do Município. Como resultado do conjunto de leis aprovadas, comunidades nativas da Ilha dos Frades são impedidas de pescar e exercer outras atividades de subsistência, enquanto zonas de proteção ambiental na região do Jaguaribe, Mussurunga e Vale Encantado perdem em proteção.
“Na Constituição Estadual há uma regra sobre as normas de planejamento: elas devem ser precedidas de participação popular através de instrumentos como audiências públicas, o que não ocorreu na lei representada. Outro ponto, entrando no aspecto do conteúdo da lei, é que podemos dizer que foram feitas alterações sem analisar normas técnicas já esculpidas no parâmetro normativo anterior e sem estudos técnicos que as amparassem. Então estamos apontando violações tanto no procedimento legislativo quanto no conteúdo. Ela não atende a requisitos mínimos para se justificar”, explica Marcelo Bloizi, advogado e professor de direito que fez a fundamentação legal na representação das entidades.
As emendas são, em sua maioria, de autoria do vereador Alexandre Aleluia e foram aprovadas através de manobras regimentais promovidas pelo presidente da casa, Geraldo Junior. Já existem três Ações Diretas de Inconstitucionalidade na justiça movidas pelo MP-BA a partir de denúncias da sociedade civil contra leis de 2020. Outros três casos foram enviados por promotores à Procuradora Geral para receberem o mesmo encaminhamento, mas ainda encontram-se engavetadas, entre elas está a lei 9.603/21.
“A câmara municipal, de maneira bem sorrateira e por vias oblíquas, vem tentando modificar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e a Louos, leis que organizam o planejamento do desenvolvimento da cidade e o ordenamento e uso do solo, para atender a interesses que são obscuros, e em detrimento do diálogo democrático e da participação popular”, reclama Marcelo Bloizi.
As entidades da sociedade civil assinam o pedido para que a procuradoria geral acelere o ingresso de Ações Diretas de Inconstitucionalidade para tornar a lei sem efeito. São organizações da área do urbanismo, defesa socioambiental, associações de bairro, de comunidades tradicionais e até mesmo com atuação nacional, como a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) e a Confederação Nacional das Associações De Moradores (CONAM). Elas se mostram preocupadas com a morosidade que o órgão tem demonstrado para reagir a este desmonte do plano diretor municipal promovido pela Câmara de Salvador.
As 6 leis, ao mesmo tempo que flexibilizam poligonais e zoneamentos do PDDU e Louos em regiões de pressão por expansão urbana, prejudicam a população nativa nas ilhas com proibições que dificultam a subsistência, a manutenção de tradições culturais das comunidades e a exploração de turismo de base comunitária. As leis 9.510/2020 e 9.562/2021, por exemplo, chegam ao absurdo de proibir pesca ou mariscagem em todo o entorno da Ilha dos Frades. O pretexto é a proteção ambiental, mas a alegação não se sustenta já que não foram feitos estudos que demonstrem essa necessidade. As mesmas leis, por outro lado, amenizam as regras para grandes empreendimentos hoteleiros.
O conteúdo das matérias ameaça áreas de valor ambiental, comunidades tradicionais das ilhas de Salvador e o ordenamento urbanístico do município como um todo. As modificações que facilitam a vida dos especuladores imobiliários estão concentradas na região da Ilha dos Frades e de Bom Jesus dos Passos, na Bacia do Jaguaribe e em alguns outros pontos do entorno da Avenida Paralela.
Lei 9.603/21 – Grandes mudanças, nenhuma discussão
Lei proposta pela prefeitura com somente 2 artigos aos quais foram acrescentados 32 novas proposições na câmara pelo relator da Comissão de Constituição e Justiça, vereador Alexandre Aleluia. Apesar de 15 artigos terem sido vetados pela prefeitura, os 19 que foram sancionados, em novembro de 2021, modificam poligonal e zoneamento de áreas de proteção ambiental de Salvador, a política municipal de meio ambiente, diminuem as exigências de compensação florestal, facilitam o desmatamento de APPs (Áreas de Preservação Permanente), ao mesmo tempo que liberam a necessidade de recuperação dessas áreas em casos que não são previstos no código florestal, entre outras alterações.
Além de não terem seu conteúdo discutido com a população de Salvador, o processo de tramitação, conforme foi levantado nas representações do MP e noticiado pela imprensa, não incluiu nem os membros da casa. As vereadoras Maria Marighella, Laina Crisóstomo e Marta Rodrigues afirmam que não houve qualquer discussão da matéria na Câmara, seja em plenário ou nas comissões. Sua aprovação foi realizada sob um suposto acordo de líderes que nunca foi comprovado com documentos. Saiba mais aqui.
Leis que já são alvo de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo MP-BA: Lei 9.509/2020, lei 9.510/2020 e Lei Complementar 074/2020
Lei com representação de promotorias do MP-BA à procuradoria geral e ainda não acolhidas: Emenda 37 da Lei Orgânica do Município, Lei 9.562/2020 e Lei 9.603/21
Assinam a representação: