Inema e Casa dos ventos não realizam consulta prévia a quilombolas sobre Complexo eólico na Chapada Diamantina Norte

10/10/2022

Vereadora Socorro, de Mirangaba, protocola denúncia sobre falta de audiência prévia no licenciamento do Complexo Eólico Saúde. Foto: Grupo de Comunicação Hz News

O potencial eólico da região de Jacobina, na Chapada Diamantina Norte, tem atraído investimentos massivos na geração de energia. Estão planejados para a área ao menos 3 grandes complexos eólicos e um deles pretende ser o maior da América Latina. No entanto, a instalação dos aerogeradores da empresa Casa dos Ventos não acontece no vazio e já impacta comunidades quilombolas que deveriam ser alvo de políticas de reparação histórica pelo estado brasileiro. O Complexo Eólico Saúde, entre os municípios de Saúde e Mirangaba, por exemplo, se sobrepõe a 10 comunidades quilombolas que habitam e vêm preservando uma cadeia montanhosa de beleza cênica extraordinária e cravada de nascentes e cachoeiras. É a caixa d’água da bacia hidrográfica do Itapicuru, que abastece mais de um milhão de pessoas. 

Comunidades afetadas pelo empreendimento

Na audiência pública exigida para emissão de licença prévia, realizada nesta quinta (6), em Mirangaba, o questionamento mais frequente foi sobre a ausência de da consulta prévia, livre e informada às comunidades, como determinado na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho. “É importante que haja a consulta prévia para que não aconteça de chegarem com documentos para pessoas que não entendem da questão de leis e fazer elas assinarem contratos ilícitos de mais de 42 anos sem elas compreenderem! Precisamos que nosso povo seja ouvido. Por lei, nós temos direito a reparação social. E depois de 300 anos o nosso povo ainda aí escravizado. Nós precisamos nos libertar e lutar pelos nossos direitos”, denunciou Jean da Silva, da Coordenação Nacional da Articulação Quilombola (CONAQ). 

A presidente da Rede Quilombola da Chapada Norte, Maria Dalva Macelina do Ramo, também avalia que além da ausência do diálogo prévio, a própria audiência não foi satisfatória. “Não gostei não. Atropelaram as falas, não responderam. Eu falei para eles que quando fizerem outra audiência não esqueçam da Rede Quilombola. Porque enquanto presidente não fui convidada. Parceiros nossos, das comunidades, nos avisaram”, reclama. Ela apontou também que duas comunidades quilombolas não foram citadas no relatório de impactos: Santa Cruz e Grota dos Oliveiras.

Vários participantes fizeram questão de ressaltar serem favoráveis à energia eólica, mas não da forma que a empresa e Inema vêm conduzindo. “Eu não sou contra as energias renováveis, a busca de outras fontes de energia. Eu sou contra a forma que as empresas chegam na comunidade. Porque o que está em jogo lá na frente são as nossas vidas. É importante que tenha uma energia renovável, é importante que tenha uma energia limpa, mas do jeito que está ela não é limpa nem renovável, ela exclui”, explica Rubem de Farias Cruz, da comunidade de Fundo de Pasto Borda da Mata, em Campo Formoso. Borda da Mata não é afetada pelo empreendimento do Complexo Saúde, mas tem em seu território o Complexo Eólico de Morrinhos.

A Conaq, a Rede Quilombola da Chapada Norte e o mandato da vereadora Socorro, de Mirangaba, protocolaram durante a audiência, documentos exigindo a consulta prévia e as denúncias de descumprimento serão levadas ao Ministério Público estadual e federal. O órgão ambiental do estado, INEMA, confirmou que não tem cumprido a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, assinada pelo Brasil em 1989. 

“O INEMA está dependendo de uma normatização para a realização dessas audiências prévias. O governo é signatário da OIT 169, mas ainda não normatizaram essa resolução, certo? Como proceder então? O INEMA já definiu, nesses últimos casos, devido às pressões, uma condicionante para que a empresa realize a consulta prévia. E envolveu a sua procuradoria jurídica para realizar uma normatização sobre a Convenção da OIT que deverá ser aprovada daqui a pouco tempo”, afirmou João Luiz Amorim, da Diretoria de Regulação do órgão.

A professora de direito ambiental da UNEB, Gabriela Barbosa, diz que a solução provisória não cumpre os requisitos da convenção. “A audiência prévia – o nome já diz – é prévia à decisão do empreendimento. Ela é feita para dizer à comunidade o que se pretende fazer e consultar se ela tem interesse nesse empreendimento. Nessa audiência deve-se pensar a metodologia para o Estudo de Impacto Ambiental e o termo de referência que vai embasá-lo. O que aconteceu hoje foi a supressão dessas fases.  Já se partiu para uma audiência dentro do processo de licenciamento. Vai adiantar de quê colocar como condicionante a realização de uma audiência prévia se ela acontece depois dos estudos? Vai suspender  a audiência realizada hoje e o Relatório de Impacto Ambiental?”, questiona. 

Para ela, que é estudiosa da convenção internacional, o não cumprimento é uma escolha política. “Eles desconhecem e rejeitam a aplicação da convenção. Ela é autoexplicativa e não fala em validade e eficácia somente a partir da regulamentação. De qualquer sorte, a resolução CEPRAM 2.929 de 2002 fala em audiência prévia, traz o rito. Então existe o regramento para isso. Mas, de fato, eles não querem porque é uma consulta, precisa de consentimento”, avalia Gabriela.

A Convenção 169 foi ratificada em 2002, e está em vigor no Brasil desde 2003. Em 2014 o Governo da Bahia publicou o decreto 15.671 que normatiza o processo de consulta às comunidades tradicionais. A resolução Cepram 2.929, por sua vez, já regulamenta desde 2002 o procedimento para Audiências Prévias. 

Arrendamento de terras já é realidade

Questionados sobre a falta de escuta das comunidades locais, representantes da Casa dos Ventos, empresa responsável pelo complexo, afirmaram que o diálogo será estreitado, já que o empreendimento ainda está na fase de licença prévia. Mas, para os quilombolas que já tiveram suas terras arrendadas, este se tornou um processo irreversível, porque os contratos têm duração de mais de 40 anos. 

Segundo a Casa dos Ventos, 42 propriedades já foram arrendadas contratualmente. Os relatos da reunião dão conta de uma desinformação geral sobre as condições e consequências destes contratos. “Eu não tinha conhecimento nenhum. A pessoa que foi me procurar, levou os papéis, falou que era um contrato e eu assinei. Na época eu não estava bem de saúde. Vocês disseram que foi lido todo o contrato para mim e não é verdade. Foi dito que eu procurasse um advogado para fazer isso”, contou uma liderança da comunidade de Solidade. “Quando foi iniciado o projeto das torres, porque não foi realizada essa reunião aqui nas localidades com as associações? Quando foram feitos os contratos de arrendamento, porque não houve reunião para que pudéssemos entender melhor?”, questionou.

As negociações individuais realizadas pela Casa dos Ventos ferem o caráter coletivo do território quilombola, já que esse tipo de propriedade é titulado em nome da associação. Embora a maioria delas ainda não tenha a titulação do INCRA, já realizaram o cadastro coletivo no CEFIR, indicando que o uso da terra será gerido pela associação. Os contratos realizados com indivíduos têm causado até mesmo a perda de benefícios sociais fundamentais para a renda dos quilombolas como a aposentadoria rural ou bolsa família.

Impactos ambientais e paisagísticos

Se os problemas trazidos com os arrendamentos já são concretos, há o temor que sejam piorados com o início das obras de instalação. A empresa e Inema não disponibilizaram os Estudos de Impactos Ambientais, como determina a regulamentação desse tipo de audiência, deixando muitas dúvidas sobre o efeito do desmatamento nas fontes de água que abastecem as comunidades e a bacia como um todo. 

Gustavo Negreiros, professor da Univasf e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Itapicuru, pontuou que empresa e Inema não têm debatido com o Comitê. Ambos teriam faltado em reunião convocada pelo colegiado para debater o projeto. Ele também sugeriu uma série de estudos que precisam ser feitos para melhor avaliar o impacto da obra nas águas da região, principalmente os focados na sinergia. “O que me preocupa é que não é só o projeto eólico. Temos dezenas e dezenas de outros empreendimentos, garimpos, empresas de mineração, extração de pedras ornamentais como mármore e quartzito, que também impactam os rios. A gente não pode olhar só para as eólicas. E o resto? Tem que juntar os impactos, é o que a gente chama de sinergia. É preciso olhar para o sistema todo – isso não é responsabilidade do empreendedor, mas do Inema sim”, defende. 

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