02/02/2023
Na véspera do dia de Yemanjá, a rainha dos mares mostrou mais uma vez que está ao lado das mulheres e homens das águas. Neste dia 1 de fevereiro o Tribunal de Justiça da Bahia concedeu liminar suspendendo a lei municipal 9.510/20 que promoveu alterações no Plano Diretor de Salvador, a exemplo da proibição da pesca e mariscagem em todo o entorno marítimo da Ilha dos Frades. A maioria dos desembargadores acompanhou o relator Baltasar Miranda Saraiva e votou pela concessão da liminar enquanto o mérito da ação é analisado. Com isso, os pescadores e marisqueiras das ilhas de Salvador podem retomar a atividade que é fonte de subsistência e base da cultura quilombola local.
A ação direta de inconstitucionalidade foi proposta pela procuradora-geral do MP-BA a partir de representação protocolada por 14 entidades da sociedade civil, entre elas o Gambá. A lei que regulamenta diversas atividades nas zonas de proteção ambiental das ilhas de Salvador foi aprovada na câmara de Salvador sem nenhuma consulta às comunidades locais nem estudos técnicos. Após a aprovação da lei original, outras leis também a modificaram em uma colcha de retalhos jurídica que deformou ainda mais o PDDU através dos chamados jabutis ou tráfico legislativo. As emendas foram em sua grande maioria inseridas pelo vereador Alexandre Aleluia e a aprovação viabilizada através de manobras regimentais do então presidente da câmara, Geraldo Junior.
“Eu pesco na região da enseada, Ilha dos Frades e Bom Jesus desde os 7 anos de idade com meu padrinho. Ele faleceu e ficou eu, hoje tenho 60 anos. Vivo pescando lá ainda, mas na Ilha dos Frades e entorno existe uma demarcação de limites de área dentro do mar. Suarez cercou tudo e a gente não pode pegar um peixe no mar e ir pra terra vender. Com essa proibição, foi colocado jet ski para tirar os pescadores da costa, lascar a nossa rede e prender as canoas dos pescadores com uma segurança privada. O nosso sustento, a nossa ancestralidade, nossa tradição de pegar alimento do mar é dali”, reclama um pescador da Ilha de Maré que não quis se identificar com medo de represálias.
O depoimento foi colhido em ato realizado em frente ao TJ, em 13 de dezembro, quando o Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais fez visita aos desembargadores para sensibilizar para os prejuízos trazidos pela lei. Além da pesca, outras atividades de subsistência como a oferta de camping e venda de alimentos e bebidas na praia também foram proibidas.
A articulação do movimento e o depoimento mostram que não só os nativos da Ilha dos Frades são atingidos, mas o conjunto de pescadores das ilhas e da baía de Aratu que também têm no local um importante território de pesca.
Colcha de retalhos no PDDU
Com a suspensão da lei, respiram aliviados também os defensores do plano diretor e da constitucionalidade. “Na Constituição Estadual há uma regra sobre as normas de planejamento: elas devem ser precedidas de participação popular através de instrumentos como audiências públicas, o que não ocorreu na lei representada. Outro ponto, entrando no aspecto do conteúdo da lei, é que podemos dizer que foram feitas alterações sem analisar normas técnicas já esculpidas no parâmetro normativo anterior e sem estudos técnicos que as amparassem. Então estamos apontando violações tanto no procedimento legislativo quanto no conteúdo. Ela não atende a requisitos mínimos para se justificar”, explica Marcelo Bloizi, advogado e professor de direito que fez a fundamentação legal na representação das entidades.
As leis 9.509/20, 9.510/20, 9.603/21 e 9.562/21, Lei Complementar 74/20 são apontadas como inconstitucionais por modificar o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano sem o devido processo legislativo. Elas realizam mudanças nas regras e nas poligonais de áreas de valor ambiental nas ilhas de Salvador, entorno do Parque de Pituaçu, Patamares e Mussurunga.
Também foram identificados graves problemas no processo de tramitação das leis na Câmara de Vereadores. Mapas com as novas poligonais propostas, por exemplo, foram anexados às leis somente após sua aprovação, sinalizando que a aprovação foi feita sem o real conhecimento da matéria pelos vereadores. A lei 9.603/21, por exemplo, não chegou a ser discutida em plenário nenhuma vez sequer, mas o presidente da casa alega que houve um acordo de líderes o que a ex-liderança da oposição, Marta Rodrigues, negou à época.