29/09/2024
Carta com reivindicações, elaborada pela Rede Convergência pelo Clima, foi apresentada no encerramento do Projeto Resiliência Climática, em Salvador.
Em encontro de encerramento do Projeto Resiliências Climáticas: Boas Práticas de Adaptação à Mudança do Clima em Áreas Costeiras e nos Biomas Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga, realizado entre os dias 18 e 19 de setembro, em Salvador, representantes de comunidades tradicionais, pesquisadores e ambientalistas elaboraram a carta que destaca a urgência de ações voltadas à adaptabilidade dos povos tradicionais às mudanças climáticas. Entre as 36 diretrizes, o documento destaca a necessidade de iniciativas voltadas à participação dos agentes territoriais, monitoramento da qualidade da água e maior atuação do poder público. A produção do documento integra as ações da Rede Convergência pelo Clima, um grupo de organizações criado em 2019 para promover o controle social sobre questões que envolvem o meio ambiente e o clima na Bahia.
A programação de encerramento do Projeto Resiliências Climáticas incluiu ainda painéis sobre “gênero, juventude e clima”, políticas socioambientais, transição energética e boas práticas de adaptação climática. Ao final, foi anunciado o Lançamento da Plataforma Colaborativa dos Povos, Culturas e da Natureza: Liga colaborativa dos Povos, uma ferramenta que tem por objetivo utilizar as tecnologias para facilitar o acesso à informação e conectar sabedorias ancestrais, técnicas e acadêmicas.
O evento marcou o encerramento de uma caminhada de muita troca, como destaca Renato Cunha, do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá). “Esse projeto fortaleceu e deu mais visibilidade a esses problemas que estão rolando na base e mostrou que cada vez mais a gente tem que tanto fortalecer as bases, como incidir politicamente nos governos para que várias dessas ideias se tornem políticas públicas mesmo”.
Fortalecer os processos participativos nas tomadas de decisão também foi a proposta da Cooperazione per lo Sviluppo dei Paesi Emergenti (COSPE). “Para a gente é fundamental o sujeito associativo, a própria comunidade, o próprio povo nesse processo de entendimento do território, de participação social. Toda essa produção de dados, de boas práticas, tem que ter sua continuidade, principalmente nesses espaços de incidência política. Apresentar os dados, apresentar as boas práticas, essas conquistas ancestrais. Acho que isso é a continuidade do projeto, a gente vai estar para apoiar nessa caminhada”, aponta Martina Molinu, representante da instituição italiana.
Nas oficinas realizadas durante esse período foi possível perceber como as vivências das mulheres e jovens se diferenciam. As opressões se interseccionam, criando condições de maior vulnerabilidade para mulheres negras, indígenas, quilombolas, pescadoras, dentre outras que já vivenciam um conjunto de violações de direitos. Atravessando essas temáticas, esteve a valorização do saber ancestral e a construção de formas de convivências, como destacou Maria Aparecida, da comunidade quilombola de Campo Grande, município de Santa Terezinha. “Nos ajudaram a descobrir como cuidar do que é nosso. Essa troca de experiências, ajudou muito. A gente está conseguindo recuperar uma nascente em um tanque feito pelos primeiros escravos que chegaram na nossa região. Essa nascente é a vida da minha comunidade”.
Na proposta de envolver uma diversidade de saberes, também participaram das atividades professores das universidades das áreas de atuação do projeto, Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (Icmbio), representante do Ministério Público, da Casa Civil da Bahia e da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA). O superintendente de Políticas e Planejamento Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente da Bahia, Tiago Porto, destacou a importância do olhar territorial no planejamento das ações de enfrentamento às mudanças climáticas e o que pode surgir a partir de agora. “Esses produtos devem ser encaminhados formalmente para a secretaria, para que a secretaria possa encaminhar para as instâncias de participação social. Também existe o Conselho Estadual de Meio Ambiente, o Fórum Baiano de Mudanças Climáticas e Biodiversidade para apreciação desses espaços coletivos de pensar a política. Eles devem ser encaminhados para que a gente possa avaliar e incorporar as contribuições aos documentos que guiam a política pública”.
Projeto Resiliências Climáticas
Criado em outubro de 2021, fruto da parceria entre a ONG italiana COSPE e o Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá), com o apoio da União Europeia, tem o objetivo de discutir e fortalecer políticas públicas de adaptação às mudanças climáticas, integrando saberes e participação das comunidades tradicionais. O projeto foi desenvolvido com povos tradicionais que vivem em áreas dos biomas Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e zonas costeiras da Bahia. As comunidades trabalhadas ficam localizadas em Morro do Chapéu, Serra da Jiboia, Barreiras e Resex da Bacia do Iguape. O protagonismo dessas comunidades foi reforçado em três pilares: capacitação e multiplicação de agentes do conhecimento; fortalecimento dos saberes ancestrais e criação de base de dados sobre boas práticas tradicionais. Além disso, estabeleceu parcerias estratégicas com instituições gestoras de áreas protegidas e parcerias com a UFOB, UFRB, UNEB e UNIVASF .
Um dos desafios da implementação do projeto estava em dar conta da diversidade territorial da Bahia. A consultora Tatiana Bichara fez o levantamento sobre a biodiversidades e destaca impactos de mudanças climáticas sobre essas comunidades: “Solo desertificado, desmatamento, perda da cobertura vegetal e a pecuária, principalmente já que a questão das mudanças climáticas não é mais um mito, um futuro. É um presente que a gente já está olhando os frutos negativos em relação a isso. Com essas informações vai ser possível que as comunidades se apropriam desse conhecimento, é muito melhor de se buscar soluções, de se compreender, pelo menos buscar soluções naquilo que tem soluções, porque algumas das questões são irreversíveis, como a desertificação em algumas áreas”. A pesquisadora ressalta ainda que as mudanças climáticas impõe aos povos tradicionais a preocupação com grandes impactos como insegurança alimentar, erosão costeira, vulnerabilidade em incêndios florestais e até perda da identidade cultural.
A escuta proposta pelo Projeto Resiliência Climática é uma das principais dificuldades encontradas pelas comunidades quilombolas, isso é o que afirma Ananias Viana, liderança do Conselho Quilombola da Bacia e Vale do Iguape, entidade que reúne treze associações quilombolas da região. A Bahia, inclusive, tem a maior população quilombola do Brasil. “Eles ouvem, mas não escutam. Escutar é diferente de ouvir. Quando você escuta você coloca na mente, vai para o coração e coloca em ação, agora quando você ouve entra no ouvido, sai no outro e o vento leva, e é isso que acontece. A gente pede para ser escutado, não coloca nada em prática das nossas demandas. E as sabedorias ancestrais são essas sabedorias que a gente já fala, que a gente fala, que a gente discute, que a gente pratica”.
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Resiliências Climáticas é um projeto realizado em parceria por Cospe e Gambá, co-financiado pela União Europeia, em parceria com as universidades federais e estaduais UFOB, UNEB, UFRB, e UNIVASF, com o objetivo de valorizar as boas práticas de adaptação à mudança do clima em áreas costeiras e nos biomas Mata Atlântica, Cerrado e Caatinga baianos.
Esta publicação foi produzida com o apoio financeiro da União Europeia. Seu conteúdo é de responsabilidade exclusiva do Gambá e da Cospe e não refletem necessariamente as opiniões da União Europeia.