Entrevista – Marcos Sorrentino fala sobre os desafios das CIEAs

07/08/2014

O biólogo e pedagogo Marcos Sorrentino tem uma larga atuação no campo ambientalista e é referência principalmente na área de Educação Ambiental. Recebido com entusiasmo no seminário de comemoração de 10 anos da CIEA-BA para tratar dos desafios dos colegiados de educação ambiental, ele falou aos presentes partindo de uma perspectiva filosófica sobre a necessidade de não perder a esperança em tempos confusos e sombrios. A esperança é necessária porque, segundo ele, a luta ainda é grande, “há um acúmulo, um avanço, mas precisa ser muito incrementado”. 

Fale um pouco sobre o contexto de surgimento das CIEAs e seu papel nesse processo.

As CIEAs são uma determinação legal da Política Nacional de Educação Ambiental, que é de 1999, foi regulamentada em 2002 e começou a ser implementada em 2003. O meu papel foi, a partir de junho de 2003, implementar o que estava previsto na lei e ajudar na construção, em cada unidade federativa, de uma comissão interinstitucional que coordenasse as iniciativas e ações de educação ambiental no estado objetivando criar sinergia entre as ações e contribuindo para efetivamente implantar a Política Nacional de Educação Ambiental. Foi nesse sentido a minha ação, na diretoria de educação ambiental do Ministério do Meio Ambiente, junto com o MEC, de ir em cada unidade federativa e estimular as instituições estatais e não governamentais a construírem esse foro voltado à pactuação de uma política estadual de educação ambiental.

Você defendeu há pouco em sua fala que as CIEAs devem ter status deliberativo em seu próprio âmbito. Quais são as potencialidades desse formato e o que se perde?

O que se perde, do meu ponto de vista, é nada, porque a CIEA não deixará de deliberar. E a força de sua deliberação está justamente em sua capacidade de interpenetrar em outras instâncias de tomada de decisão. Tudo que deliberarmos sobre educação ambiental e enviarmos para outras instâncias, seja assembleia legislativa, seja câmara de vereadores ou conselhos estaduais e municipais, vai exigir uma capacidade de articulação e tomada de decisão em outro âmbito que nos fortalece enquanto educadores ambientais e tomadores de decisão. Então, para mim, a questão de ser ou não deliberativo é uma falsa questão. A questão para mim é como é que a gente dá realidade e visibilidade para as nossas decisões. Decisões, as CIEAS podem e devem tomar, mas como essas decisões são implementadas? Mesmo que fossem leis, elas pegam ou não pegam de acordo com a sua capacidade de incidência no conjunto da sociedade. Então para mim o mais importante hoje é encontrar mecanismos para tornar as deliberações da CIEA em mecanismos de convencimento da sociedade.

Um dos desafios que você colocou na sua fala de hoje foi a necessidade de recursos para a educação ambiental. Que possibilidades você vê, hoje, de captação de recursos para a implementação das políticas de educação ambiental?

Se não ampliar a nossa capacidade de incidência nas políticas públicas, seja os candidatos a cargos eletivos, seja junto aos foros já constituídos, nós não ampliaremos os recursos destinados à educação ambiental. O que nós temos é, muitas vezes, o contrário. Temos alguma determinação legal de destinar recurso e o órgão público transforma qualquer produção de cartilha e palestra em justificativa de utilização do recurso. Então pelo menos dois caminhos precisam ser trilhados, o primeiro é o dos fundos de meio ambiente e de educação terem carteiras próprias para a educação ambiental ou um fundo específico, como é o caso do Fundo Brasileiro de Educação Ambiental e do projeto de lei de um Fundo Nacional de Educação Ambiental. Esse caminho tem que ser trilhado até se esgotar todas as alternativas, inclusive aprimorando os mecanismos de descentralização de recurso, diminuindo burocracias, criando efetividade, monitoramento, avaliação dos recursos destinados. E o segundo caminho é o caminho da pressão política e isso exige que os educadores ambientais tenham mais forte e claramente delineada a essencialidade da educação ambiental. Que nenhum demagogo no nosso campo enuncie meia dúzia de palavras e todos acreditem que ele tá fazendo educação ambiental. O nosso campo precisa ter mais profundidade e delineamento, do sucesso das políticas, da compreensão do que é ambientalismo, porque as pessoas acham que é só meia dúzia de procedimentos. E partindo disso seria desnecessário dar dinheiro para isso, é só a Globo fazer uma campanha de jogar o lixo no lugar certo que resolveria. Mas como não é isso, precisamos dizer para a sociedade que a questão ambiental é mais do que essa simplificação que é feita atualmente. E isso exige massa crítica, que nós consigamos formular o nosso projeto de sociedade, definir que tipo de sociedade queremos construir, porque o ambientalismo é importante para isso e qual é a estratégia que temos para convencer a sociedade brasileira e planetária da importância desse ideal ao qual temos dedicado nossa vida.

Precisamos ter militância, nós temos recursos humanos, só não temos coordenação e foco na energia desses recursos humanos. Cada um de nós que fazemos educação ambiental no país hoje está focado em uma pequena tarefa e não reservamos tempo em nossas agendas para a ação coordenada, para construir o nosso projeto de país. E com isso nós não conseguimos incidir nas políticas públicas existentes e na sociedade para que ela reivindique política pública com recurso efetivamente destinado. Porque todas nossas energias estão pulverizadas em milhares de ações que não são poucas, mas pulverizadas elas não conseguem fazer o impacto que precisa para ter mais recurso e ter gente profissionalizada trabalhando. Porque só a militância voluntária a gente fazia isso nos anos 70. O movimento avançou, mas é muito pouco diante da enormidade da tarefa que está colocada.

E sobre a formação de formadores, mais um dos desafios propostos por você para as CIEAs, você tem visto alguma iniciativa que merecesse ser lembrada?

Tem várias ações que foram implementadas, mas no meu ponto de vista nenhuma conseguiu dar conta de A a Z do que seria uma verdadeira formação de formadores. Porque ela pressupõe desde uma engenharia de capilaridade pactuada previamente, no sentido de se perguntar como teremos todo o estado da Bahia agitando a questão educadora ambientalista para que ela seja permanente e articulada, até a implementação dessa capilaridade a partir de uma estratégia. Então o que vem primeiro? O mapeamento, saber o que existe em cada região do estado. Depois, o que vem? A escolha das pessoas que vão participar. Simultaneamente o processo educomunicativo: quais são os meios de comunicação que podem ser aliados nesse processo. Como vamos utilizar a educação a distância, a educação presencial, a educação difusa dos meios de comunicação, vai ser utilizada? Como a gente pactua tudo isso para, no final, ter formadores na ponta, tanto nos 417 municípios da Bahia quanto nos setores da sociedade. De poder dizer: temos educadores ambientais entre os surfistas, entre os skatistas, temos entre o movimento de gênero.

Esse mapeamento é de inteligência. O que precisamos, acima de tudo, hoje, na educação ambiental, é inteligência. No sentido que o SNI, a CIA (serviços de inteligência brasileiro e norte-americano, respectivamente) usam, que é visualizar o todo, fazer análise de conjuntura, visualizar o que é prioritário.

Depois temos definir qual é o software. Porque eu tô falando de hardware, quantas pessoas, quem são, mas que conteúdo vai ser rodado ali dentro? Ah, vai ser biodiversidade, vai ser água, vai ser isto ou aquilo. A gente precisa pactuar como esses softwares distintos vão ser disponibilizados, porque o cara do mangue não quer priorizar o semiárido. Como a gente disponibiliza tantos softwares necessários para o campo ambiental, que é enorme? O que entra nesse campo? Todos esses softwares precisam ser disponibilizados para a ponta para que ela decida o que é melhor para ela. E a maior parte desse material tem produzido já, um monte de entidades como o Gambá já produziu coisas. Se tiver a inteligência, você só vai lá pinçar o conteúdo para rodar dentro desse hardware desenhado por uma instância como a CIEA.

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