A governança ambiental como condição para a cidadania ambiental

16/09/2023

Texto de Severino Agra, conselheiro diretor do Gambá e professor do Departamento de Engenharia ambiental da UFBA

Ilustração: Patricia Maria Woll
Ilustração: Patricia Maria Woll

A crescente gravidade dos problemas ambientais gerou um clamor e o reconhecimento pela sociedade contemporânea da importância de se buscar mecanismos capazes de evitar os processos de degradação em curso e o restabelecimento da qualidade ambiental. Os estudos e pesquisas disponíveis revelam sobejamente que as mudanças nas condições ambientais são decorrentes das opções da sociedade. Nesses termos, as ações humanas praticadas para atender as necessidades sociais devem ser pautadas pela devida compreensão de suas consequências ambientais. Os debates e os episódios associados à mudança climática tornaram evidente que as atividades humanas têm sido o principal causador da problemática ambiental.

Nesse sentido, a discussão da problemática ambiental se insere no exercício da cidadania ambiental como direito fundamental, conforme preconiza a Constituição Federal ao determinar no artigo 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Cabe à sociedade honrar a conquista desse direito de exercer sua efetiva cidadania ambiental reivindicando condições ambientais melhores, indispensáveis para uma vida saudável, e, sobretudo, a sua participação nas diversas formas de interferir nas instâncias políticas.

Os mecanismos disponíveis para o envolvimento da sociedade civil têm sido institucionalizadas no Brasil nos sistemas de governança ambiental. Cabe ressaltar que deve se considerar governança ambiental como um conjunto de estruturas decisórias que possibilitem uma gestão ambiental descentralizada e participativa dos diversos atores sociais e que possam assegurar o protagonismo dos segmentos sociais envolvidos. Para tanto, torna-se indispensável a plena disponibilidade de informações e condições efetivas para que haja um debate civilizado e que se estabeleçam procedimentos de mediação necessários para se lograr decisões consensuais.

Em cumprimento aos princípios e objetivos da legislação ambiental vigente, a gestão ambiental no Brasil tem sido pródiga em iniciativas e institucionalização de sistemas de governança ambiental com a participação pública, entre os quais se destacam os colegiados na esfera federal (Conselho Nacional de Meio Ambiente), estadual e municipal de gestão ambiental (conselhos estaduais e municipais de meio ambiente), bem como os colegiados de recursos hídricos. Os colegiados devem considerados instâncias de busca de consensos e, portanto, instâncias de mediação dos conflitos inevitáveis, inerentes à discussão da problemática ambiental.

Esses colegiados foram institucionalizados como órgãos de Estado, portanto devem ser conduzidos de modo a impedir a manipulação das suas decisões a fim de precaver o favorecimento de interesses do govenante de plantão. Diante da competência deliberativa desses colegiados, a dinâmica de apreciação das suas pautas deve ser regida por procedimentos capazes de garantir a isonomia de informações entre seus membros, que devem buscar a mediação necessária para decisões consensuais.Contudo, a prática observada tem mostrado que a simples participação da sociedade nesses colegiados não tem sido suficiente para fazê-lo cumprir a função precípua de sua existência.

As debilidades das práticas existentes podem ser expressas nas seguintes constatações, entre outras: dificuldades de acesso pleno e sistemático às informações fundamentais para a apreciação das questões pautadas nas reuniões dos colegiados; a submissão de temas tem sido restrita a uma simples e precária apreciação, sem a inclusão de pautas relativas à formulação de políticas públicas, bem como de proposições normativas necessárias para a regulamentação e aprimoramento dos instrumentos de gestão ambiental. Além dessas constatações, destaca-se uma questão fundamental: a prática de aprovações por simples votações. Esse procedimento mostra-se nefasto para se exercitar a cidadania e a busca de consensos. Sendo a sociedade civil não empresarial uma parte minoritária do colegiado, torna-se impossível para esse segmento exercer algum protagonismo nas decisões. Nota-se também que as organizações ambientalistas restringem-se a legitimar as instâncias de decisões governamentais. Desse modo, qualquer protagonismo da sociedade acaba restrito pelos próprios sistemas de governança existentes, redundando em grave comprometimento da cidadania ambiental.

Urge, portanto, uma revisão dos procedimentos de condução desses sistemas para que eles se tornem efetivamente democráticos. É imprescindível a construção e o estabelecimento de uma estrutura institucional capaz de engendrar um processo decisório que possibilite um protagonismo efetivo dos atores sociais, o exercício pleno de uma cidadania ambiental.

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