19/04/2023
No último dia 13 um grupo de pescadores artesanais, marisqueiras e quilombolas de todo o estado realizou uma ocupação pacífica do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos contra as licenças ambientais que permitem a devastação de seus territórios. O ato foi promovido pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras da Bahia e Articulação Nacional Quilombola. Eles pediram uma mesa de negociação com as secretarias responsáveis para tratar de conflitos socioambientais em territórios tradicionais e foram atendidos por representantes da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria de Relações Institucionais e da Secretaria do Meio Ambiente. Mas ainda não há garantia nem indicação de que a negociação vai gerar algum tipo de ação pelo Governo do Estado.
O dia teve alguns momentos de tensão causados pela ação inflexível da Polícia Militar que não permitiu a passagem de almoço para os manifestantes e nem a entrada de algumas lideranças destacadas para compor a comissão de negociação, mas as questões foram resolvidas em algumas horas. A desocupação foi realizada ao final do dia com a promessa de ações integradas por parte do governo. A perspectiva é de realizar, em maio, uma reunião com o primeiro escalão do governo para avançar na pauta.
“Os territórios nativos são perdidos, a gente perde a cultura. Eu não quero estar na cidade, eu quero herdar o que meu pai deixou. Nós, hoje, através da terra, conseguimos trazer o alimento e a abundância. Eu vejo que esses órgãos ambientais não ajudam os nativos, os fracos. O Inema vai e dá carta branca para o empresário construir. A escravidão não acabou, ela hoje só mudou de jeito e tá mais avançada que antigamente”, resumiu Valmir Mendes de Oliveira, de Riacho do Santo Antônio/Jitaí sobre a contribuição do órgão para a perpetuação do racismo ambiental e manutenção da dívida histórica com as populações descendentes de escravizados.
Sobre a principal reivindicação do grupo, o cumprimento da Convenção 169 da OIT, o chefe de gabinete da Secretaria do Meio Ambiente, André Ferraro, informou que há uma proposta de normatização da consulta pronta para ser apreciada pelo conselho estadual de meio ambiente. Nada foi informado sobre providências a respeito das licenças aprovadas previamente sem a consulta nem sobre a possibilidade de saída da diretora geral do Inema, Márcia Telles, que vem sendo reivindicada pelo movimento socioambiental do estado.
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, assinada pelo Brasil, determina que todo empreendimento ou política pública que afete povos originários e comunidades tradicionais deve ser precedido de consulta prévia, livre e informada.
Pauta Emergencial
Durante a ocupação foi entregue ao governo o pedido emergencial de suspensão das licenças ambientais concedidas à Mangaba Cultivo de Coco, em Boipeba, à Bahia Terminais, em Candeias, e também o pedido de proteção a quilombolas ameaçados de Riacho do Santo Antônio/Jitaí, em Mata de São João. O movimento defende a criação de um grupo de trabalho para análise detalhada de uma série de licenças, mas pede do Governo do Estado um sinal da disposição em atender às comunidades com essas medidas emergenciais. No entanto, até o momento nenhum avanço nestas pautas foi realizado.
Ontem (18), a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa realizou audiência sobre o caso de Boipeba e nenhum representante do governo compareceu. No entanto, a fala do deputado Rosemberg Pinto, líder do governo na ALBA, deu indicativos de que a posição permanece a mesma, favorável ao empreendimento. O deputado acabou fazendo uma irônica, porém não surpreendente, dobradinha com o deputado bolsonarista Diego Castro na defesa do megaempreendimento.
No quilombo Boca do Rio, em Candeias, a Bahia Terminais segue trabalhando normalmente na implantação de um porto dentro do território quilombola. Segundo lideranças locais não houve nenhum contato do governo ou Inema sobre a situação nos últimos dias. A empresa foi multada no final de março em R$500 mil por realizar detonação de explosivos sem autorização.
O quilombo Riacho de Santo Antônio/Jitaí segue convivendo com cercas e ameaças em seu território, no município de Mata de São João, onde o INEMA permitiu mudanças no zoneamento na APA de Santo Antônio para instalação de um loteamento. A comunidade vem sofrendo constante assédio policial para supostamente cumprir ordens judiciais inválidas – porque já derrubadas ou cumpridas, além da presença de segurança armada junto às cercas instaladas. A situação motivou o pedido de intervenção do estado na proteção às suas lideranças, mas nenhuma providência foi tomada até o momento.