08/03/2019
O coletivo La Frida nasceu para dar voz e vez às mulheres negras na discussão da mobilidade ativa, especificamente no uso da bicicleta. A igualdade de gênero e racial são estruturantes no olhar do coletivo para pensar a forma de se movimentar na cidade e o objetivo é incentivar mulheres negras a utilizarem a bike como veículo de transporte, mas também de libertação em espaços e modais de transporte que costumam ser mais hostis com mulheres, especialmente com mulheres negras. “Nós temos ali um muro onde pedimos para que cada uma escrevesse porque queria aprender a pedalar. Vieram as palavras libertação, cura, poder, auto estima, autonomia. Autonomia e autoestima andam juntas, né?”, conta Lívia Suarez, uma das fundadoras do La Frida.
Uma das primeiras atividades do La Frida, o ‘Preta, Vem de Bike’ começa o incentivo ao pedal bem do início: ensinando mulheres negras a andar de bicicleta. A ideia, que nasceu em Salvador, já está sendo replicada com ajuda do coletivo no Recôncavo Baiano e também em São Paulo. Em Salvador, as aulas acontecem todas as manhãs de domingo na Casa La Frida, no Santo Antônio (R. Direita de Santo Antônio, 314) e têm levado cada vez mais mulheres a usar a bike.
Uma dessas mulheres é Iracema do Espírito Santo que está realizando um desejo antigo de aprender a pedalar ao mesmo tempo que promove um processo de superação e cura pessoal. “Eu passei por algumas situações na minha vida que entristeceram demais meu coração. Um dia, eu vi um grupo de ciclistas passando na rua e aquele movimento da roda da bicicleta me fez entender que a vida é cíclica. Então enquanto aquele pneu ia rodando eu ia pensando ‘eu preciso recomeçar, não posso parar’. Aí eu disse ‘vou correr atrás’; e vim aqui aprender a pedalar e fazer o curso”, conta Iracema, com orgulho.
Além das aulas de pedal, Iracema participou do Curso Profissionalizante de Mecânica, mais um recurso do coletivo para inserir o mundo do cicloativismo feminino nas periferias de Salvador. Na sua primeira turma ele formou 5 e na segunda 16 mulheres para realizar manutenção e montagem de bikes. A última edição aconteceu entre janeiro e fevereiro na sede do Coletivo no Santo Antônio, foram 4 semanas de aulas práticas e uma oficina de afroempreendedorismo para finalizar. Se nas ações do Preta, Vem de Bike o aprendizado passa pelo desejo de autonomia na mobilidade, o curso profissionalizante de mecânica mira também no empreendedorismo. “A ideia é profissionalizar, capacitar, empregabilizar. Já estamos mapeando as lojas para empregar as meninas que estão sendo formadas”, conta Lívia.
Esse é também o objetivo de Iracema. Ao mesmo tempo que aprende a pedalar, ela planeja abrir uma oficina no seu bairro – Plataforma – e enxerga uma oportunidade de geração de renda na adesão dos moradores à ciclovia instalada na Avenida Suburbana há 3 anos. “Tem muita gente com bicicleta e elas não sabem consertar, trocar uma corrente, então eu vou unir o útil ao agradável. Eu conheço pessoas no meu bairro que trabalham na Calçada e vão de bike, sem pagar transporte. Com isso tão economizando e trazendo saúde”, avalia ela.
Segundo Wagner Guiné, instrutor do curso e integrante do coletivo parceiro Mobicidade, o curso preparou as participantes a ocupar espaço nas lojas e oficinas de bike onde hoje quase só se vêem homens, “cerca de 90% das lojas de Salvador não tem mulheres trabalhando, tanto no atendimento mas principalmente na área de mecânica. Então com mulheres fazendo esse atendimento a gente muda o paradigma. Elas estão aptas não só na mecânica, no conhecimento sobre a bicicleta como um todo, mas também para atenderem, gerenciarem uma loja”, aponta Guiné. Ele também afirma que o curso propiciou um aprendizado pessoal sobre as questões do feminismo negro, já que costuma trabalhar somente entre homens.
O curso profissionalizante de mecânica é uma das atividades propostas no projeto Casa La Frida, selecionado no edital Casa Cidades para receber financiamento do Fundo Socioambiental Casa e da OAK Foundation. O Gambá é o articulador local em Salvador dos 11 projetos selecionados.