18/05/2019
Quando o coletivo Mobicidade Salvador chegou à ocupação Quilombo do Paraíso, no último sábado (11), para mais uma edição do Estação Bicicleta Subúrbio, a empolgação das crianças foi grande. Enquanto a líder comunitária Rita de Cássia Ferreira recebia a equipe e mostrava seu barraco, cedido para a realização da primeira parte da atividade, elas já davam as primeiras voltas de bike pelo espaço de terra batida onde acontece o convívio comunitário na ocupação. Por conta das chuvas intensas, foi uma longa noite desentupindo as manilhas para evitar alagamentos no espaço, o que já mostra a fragilidade das 58 famílias. No entanto, apesar das dificuldades, a força de Rita e a alegria das crianças deu o tom da tarde e mostrou a resiliência do quilombo que há quase 10 anos luta pelo direito à moradia adequada. “Gostei muito da atividade, principalmente de andar de bicicleta. As brincadeiras também foram legais e ensinaram bastante as pessoas que não sabiam o que era sinaleira e outras coisas sobre trânsito”, avaliou Miguel Vitor de Jesus, de 12 anos.
O Estação Bicicleta Subúrbio é um convite para que crianças e jovens lancem olhar para a mobilidade ativa e como ela pode ser ferramenta para uma relação mais próxima, empoderada e afetuosa com o espaço em que habitam, especialmente através da bicicleta. “Esse foi o segundo momento dessa atividade, ainda temos duas edições programadas pelo projeto. Foi muito importante estar em um local que tem um contato bem restrito com a mobilidade ativa, a região de convívio deles não tem calçadas e ruas estruturadas. É uma ocupação liderada por mulheres e a ocupação feminina dos espaços é uma questão que também trazemos no nível micro nas oficinas”, conta Erica Telles, do Mobicidade Salvador.
As reflexões foram provocadas de maneira lúdica nas atividades ao longo da tarde, que culminam com a hora mais esperada, de botar em prática a pedalada. “O brincar tem um apelo muito forte com as crianças e existem formas para que, usando a imaginação, ela consiga fazer com que essa prática do brincar, além de lúdica, seja reflexiva”, pontua Erica. Através das brincadeiras foi possível tratar sobre os diferentes modais que utilizamos e seus impactos, regras de trânsito e respeito ao pedestre, além de dicas de segurança para as pedaladas.
As crianças receberam também, em primeira mão, a cartilha elaborada pelo Mobicidade Salvador tratando sobre os diferentes modais para circular pela cidade e com dicas para a bike e caminhada. Em breve a versão digital estará disponível também no hotsite do projeto, que está em construção. O projeto Estação Bicicleta Subúrbio, que o coletivo Mobicidade Salvador desenvolve junto com a ONG Avante, é um dos 11 projetos selecionados pelo programa Casa Cidades, que são articulados localmente pelo Gambá. Os projetos são financiados pelo Fundo Socioambiental Casa, Fundo Socioambiental Caixa e Fundação OAK.
O Quilombo do Paraíso e a Mobilidade
A ocupação está localizada ao lado do Hospital do Subúrbio, em Periperi, e foi fruto da articulação do Movimento Sem Teto da Bahia. Desde 2009, quando o Governo do Estado iniciou as obras do hospital, as famílias estão no local reivindicando moradia digna, mesmo com episódios de repressão do estado.
O acesso à mobilidade na ocupação é limitado. Quando perguntados sobre quais modais utilizam, os mais citados foram a caminhada e ônibus. “O ponto de ônibus mais próximo é no hospital do subúrbio, mas lá não tem todas as linhas, então o pessoal tem que andar até o Colinas de Periperi para pegar outras linhas. Dá mais ou menos 1 km”, explica a lider comunitária Rita Ferreira.
O pequeno Luis Otávio dos Santos conta que usa transporte principalmente para ir à Escola Municipal de Periperi, onde estuda: “Eu vou às vezes andando, às vezes de ônibus. É longe, vou a pé quando meu cartão tá sem crédito”, relata. Conferindo o trajeto, chega-se à conclusão de que, quando falta o dinheiro para transporte, a criança de 8 anos chega a percorrer um trajeto de 7 km, contabilizando ida e volta.
Rita afirma que, além do ônibus, o trem é muito utilizado. Apesar das más condições e do enorme intervalo entre as partidas, a tarifa de R$0,50 por trajeto possibilita viagens que, em outros modais não seriam possíveis. Por isso a comunidade mostra-se também apreensiva pela substituição do trem pelo projeto de monotrilho que o estado quer implantar. Ele será integrado a outros modais da cidade, portanto com a tarifa regular, atualmente em R$4.
Ainda assim, a bicicleta, que teria um custo baixíssimo para os moradores ainda não tem sido adotada como opção. “O pessoal não usa bike por aqui. O problema é que não tem segurança, deveria ter um projeto que facilitasse isso, não aquela ciclovia maluca da suburbana, que se você tomar um tombo você vai parar embaixo de um ônibus. Aqui em Salvador os carros não respeitam a bicicleta, precisava de espaço que funcionasse que tivesse segurança. Mas parece que não interessa para os nossos governantes. É importante para nós, para saúde também, quem pedala é mais saudável”, afirma. Muitos outros fatores dificultam a adoção da bike como meio de transporte: falta de estrutura urbana mínima – não há ruas, passeios – o solo é irregular e o local está cercado por vias com alto fluxo de carro.
A assistente social Deise Nery, que atua na comunidade através da ONG Avante, explica como essa falta de acesso interfere nas vidas das famílias, “ir e vir, se movimentar na cidade, já é um direito, mas quando isso é negado, você interfere também no acesso das famílias a outros direitos. Essas famílias, muitas vezes, não têm a oportunidade de se deslocar. Quantas vezes eu já encaminhei essas famílias para serviços da rede de proteção social e elas demoraram para ir por dificuldades de transporte? Ou por não ter o dinheiro de transporte? Quando uma pessoa está doente, por exemplo, é uma dificuldade porque o carro não vem até aqui. A acessibilidade impacta muito no acesso e nas condições de vida dessas pessoas”, avalia Deise.