Comunidades impactadas produzem salvaguardas socioambientais para geração de energia renovável

19/09/2023

Salvaguardas para diminuir impacto socioambiental de energia renovável
Aerogeradores instalados em área de dunas dentro do território quilombola do Cumbe, no Ceará.

O Gambá, projeto Nordeste Potência, uma série de associações e coletivos de ameaçados e impactados pela produção de energia eólica e solar e instituições que as assessoram vêm realizando oficinas com o objetivo de construir um conjunto de salvaguardas para a proteção das comunidades vizinhas ou atingidas por empreendimentos de geração e transmissão de energia renovável.

Embora sejam cruciais para a descarbonização da geração de energia, as eólicas e solares têm deixado um rastro de danos às comunidades vizinhas e ao meio ambiente e por isso têm perdido a fama de energia limpa. A construção de salvaguardas busca estabelecer melhores práticas para as renováveis – tipo de geração de energia que deve crescer exponencialmente na região nordeste ao longo dos próximos anos.

“As salvaguardas são normas, diretrizes e procedimentos específicos para garantir, no caso de implantação de megaprojetos, proteção às comunidades e ao meio ambiente, além de justiça social. Essa iniciativa de colocar sugestões bem objetivas para os projetos de energia eólica e solar aqui no nordeste é fundamental para mudar as estratégias dos empreendimentos que estão sendo colocados sem consulta pública, sem cuidado. Precisamos de contratos que garantam efetivamente os direitos das comunidades e do meio ambiente, repensar a implantação desses empreendimentos aqui no nordeste”, defende Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá.

Oficinas envolvem comunidades impactadas

O trabalho iniciou em março deste ano, em Recife, e prosseguiu em Salvador, na segunda semana de setembro. Ao final da terceira oficina – que deve ser realizada em novembro – as organizações esperam contar com um conjunto de salvaguardas para que os movimentos exijam de empreendedores, órgãos reguladores, licenciadores e financiadores das usinas eólicas e solares. Um grupo de trabalho foi criado para coordenar o trabalho no período entre as oficinas. 

“Essa troca de conhecimento é muito enriquecedora. A partir deste encontro de pessoas também impactadas a gente vê que existem realidades não tão diferentes das nossas e aprendemos com as experiências de outros lugares. Eu tento absorver tudo para levar para minha comunidade”, avalia a participante Dorinha Nonato, jovem liderança do quilombo da Serra dos Rafaéis, na divisa entre Pernambuco e Piauí. Sua comunidade vive um conflito socioambiental agudo a partir da implantação do Complexo de Energia Eólica Araripe IV.

Contratos abusivos

O professor e pesquisador Rárisson Sampaio apresentou em Salvador prévia de estudo inédito a ser lançado pelo Inesc em que analisa contratos de arrendamentos entre empresas de geração de energia eólica e pequenos posseiros ou proprietários. Segundo ele, a disparidade de poder entre os dois pólos não permite que seja exercida plenamente a autonomia da vontade que deve reger as relações contratuais.

Condicionar o financiamento, a outorga ou licenciamento ambiental a um conteúdo mínimo de equilíbrio nos contratos de arrendamento é um exemplo de salvaguarda possível para esta fase dos projetos eólicos que começa antes mesmo da primeira torre ser erguida. A adoção de salvaguardas ajudaria a diminuir o abuso das empresas em relação a proprietários ou posseiros rurais com pouca ou nenhuma formação jurídica que se comprometem em contratos de décadas com ganhos irrisórios e cláusulas totalmente desequilibradas. 

Grupo de trabalho e incidência política

Essa e outras fases do processo de implantação e operação das usinas estão sendo analisadas atentamente por um grupo de trabalho formado por comunidades impactadas e técnicos que as assessoram.  São problemas complexos e multifatoriais como a questão do abandono parental e aumento de violência contra mulheres devido ao súbito aumento de trabalhadores alojados temporariamente em pequenos municípios. A construção de soluções para problemas caleidoscópicos como este exige o envolvimento de diversas instituições em ações coordenadas. 

Por isso, além da construção do conjunto de boas práticas de forma a incluir a maior gama de questões e suas possíveis soluções, o maior desafio será conseguir sua implantação. As salvaguardas em pauta nas oficinas são condicionantes que podem ser adotadas por financiadores dos projetos, por instâncias do governo ou pelos próprios empreendedores para resolver os problemas que os parques causam nas comunidades e no meio ambiente. 

Para a coordenadora do projeto Nordeste Potência, Cristina Amorim, a responsabilidade na implantação das boas práticas tem que ser compartilhada. “Há muito o que melhorar no processo de decisão, instalação e operação de centrais de geração de energia renovável. A construção das salvaguardas mostra tanto os problemas que existem quanto caminhos para a gente batalhar por essas mudanças. Todos que estão ligados ao setor elétrico, sejam do âmbito público e privado, são parte da solução para limpar essas fontes de energia, respeitando verdadeiramente as pessoas e o meio ambiente”, analisa ela.

Iniciativas de regulação

Alguns passos têm sido dados no sentido de uma maior regulação do setor. Este mês o Governo da Paraíba acatou recomendação do Ministério Público Federal exigindo o cumprimento da consulta prévia, livre e informada das comunidades tradicionais, como exige a Convenção 169 da OIT. 

A Secretaria Geral da Presidência, por sua vez, instituiu no último dia 8 uma mesa de diálogo sobre os conflitos da atividade. A iniciativa é fruto de pressão dos movimentos sociais, em especial durante visita realizada à Paraíba e Pernambuco em março deste ano onde Lula e Janja participaram da inauguração de usina renovável híbrida.  Ao tecer elogios ao empreendimento em redes sociais, o presidente foi alertados sobre os conflitos envolvidos na atividade e se comprometeu a discutir o tema junto aos impactados.

“Eu não sou contra a energia renovável, mas o modo que ela vem sendo implantada é totalmente errado porque se a energia é limpa ela não deveria causar tantos problemas na vida das pessoas. Eu diria que é a energia certa, sendo implantada da forma errada”, resume Dorinha.

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