Demissões da MEZ Energia geram ameaças à Associação Quilombola da Cambuta

25/03/2022

Ato contra a MEZ Energia realizado no início de março
Ato contra a MEZ Energia realizado no início de março

Ao menos três lideranças do Quilombo da Cambuta, em Santo Amaro, relatam ter sofrido recentemente ameaças de integrantes da própria comunidade demitidos pela MEZ Energia. A empresa vem atribuindo à associação a responsabilidade pelo embargo da obra de uma linha de transmissão entre Sapeaçu e Camaçari que foi causada, em verdade, pela omissão do componente quilombola no licenciamento. A empresa segue executando a obra em outras localidades que não foram afetadas pelo embargo e poderia realocar os funcionários.

“Pessoal, Socorro! Sou pescador e quilombola de Santo Amaro e não só eu como mais membros da diretoria da associação estamos encurralados em casa. Uma empresa que invadiu irregularmente o território quilombola e colocou bases de torres de energia elétrica perto das moradias. Nós comunicamos ao MPF; a empresa dispensou cerca de 20 funcionários da comunidade e falou que fomos nós da associação que os colocou para fora do emprego. E esse pessoal está ameaçando a gente dentro de nossas casas. Estou impossibilitado de sair para pescar. Estivemos no Incra e pedimos uma medida protetiva. A empresa está jogando sujo nas nossas comunidades. Estamos encurralados, ameaçados por nossos próprios irmãos que não conhecem os direitos da comunidade e que estão sendo colocados contra nós pela empresa”, relatou um dos integrantes da associação em áudio enviado a alguns grupos de Whatsapp na última semana. A mesma pessoa relata ter sofrido novas ameaças ontem (23), sinalizando que a situação ainda está tensa. 

A obra da MEZ energia nos municípios de Santo Amaro e Cachoeira recebeu, no início de março, um auto de embargo temporário do Inema. A penalidade foi por não ter realizado os estudos e consulta prévia às comunidades quilombolas de Cambuta e São Braz, conforme manda a convenção 169 da OIT. As duas comunidades que são cortadas pela trajeto proposto pela linha de transmissão não foram sequer citadas no Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento. Portanto, ao contrário do que alega a MEZ, a paralisação da obra aconteceu por falha – ou omissão intencional – da empresa ao realizar o licenciamento. 

“Nós fomos tirar satisfação do porquê ela escolheu esse local para colocar as torres. A gente não quer que ela vá embora, a gente quer que ela procure outro local, não dentro da nossa comunidade, porque sabemos do risco”, explica uma das coordenadoras da Associação. 

As duas lideranças ouvidas pela reportagem preferiram não se identificar com medo de retaliações.

As causas do embargo do Inema

No final de janeiro, os quilombolas da Cambuta foram surpreendidos por homens e máquinas sem identificação desmatando áreas de mangue em seu território. Os prepostos da MEZ não apresentaram sequer as licenças ambientais à comunidade que, perplexa, acionou a Defensoria Pública e o Conselho Pastoral dos Pescadores em busca de auxílio jurídico para conservar suas já escassas áreas de pesca.

A partir das denúncias, o Inema, que havia licenciado a obra, realizou inspeção no local, constatou irregularidades e realizou um embargo temporário da obra. O auto de infração constata que o empreendimento coloca “em risco comunidades quilombolas ao deixar de realizar os devidos estudos das comunidades, bem como a consulta prévia, livre e informada das mesmas”, como é previsto na Lei Estadual 10.431/2006, no seu decreto regulamentador nº14.024 de 2012 e na condicionante XIII do licenciamento.

No caso da linha de transmissão proposta pela MEZ, além da degradação das áreas de mangue de onde a comunidade tira o sustento através da pesca e mariscagem, há grande preocupação com os efeitos à saúde do campo magnético que os equipamentos geram, já que há locais onde casas ficariam muito próximas à linha e às torres. 

“Uma pessoa reclamou que quando o emprego chega na comunidade nós botamos as empresas para fora. Mas eu acredito que é ignorância, porque ela não sabe dos riscos que essas torres de energia provocam. A engenheira elétrica nos falou sobre as doenças silenciosas que ela pode provocar. Se a empresa chegasse para eles e conversasse a real situação dessas torres, o que provoca na saúde das crianças, idosos, principalmente naqueles que já têm problemas de saúde, eu acredito que eles não estavam tão revoltados assim com a saída deles”, comenta uma das coordenadoras da associação. 

A engenheira elétrica que alertou a comunidade sobre os riscos à saúde foi levada pela Defensoria Pública do Estado. A empresa não fez nenhum alerta sobre os perigos do empreendimento. Estudos variados, embora ainda não conclusivos, apontam que há maior risco de ocorrência de doenças como câncer, leucemia e depressão em pessoas que moram próximas a linhas de transmissão.

A MEZ Energia foi procurada, mas não respondeu aos questionamentos.

Racismo Ambiental

Tanto na escolha do local de implantação quanto nos métodos utilizados para garantir o apoio social, fica claro o componente de racismo ambiental. As empresas se utilizam das condições precárias das comunidades que foram acumuladas historicamente para conseguir apoio local ao mesmo tempo que perpetuam essa situação a partir da degradação do território e da saúde dos quilombolas.

“Essas empresas só entram mesmo nas áreas de pessoas pretas e pobres. Não entram nos condomínios, nos bairros de pessoas ricas. A gente vê isso o tempo todo, já temos aqui o problema do penicão da Embasa, da empresa de celulose Penha. A Embasa veio até aqui e prometeu que a obra dela geraria empregos e que não traria impactos, que a água sairia praticamente potável depois de tratada”, lembra uma integrante do conselho fiscal da associação. No entanto, os empregos eram temporários, somente para a construção da estação de tratamento de esgoto. O que ficou na comunidade foi a contaminação por efluentes e o mal cheiro.

Enquanto exige o direito de ser consultada sobre a obra e discutir todos os impactos à saúde e ao território, a associação quilombola precisa ainda contornar a desagregação causada pela empresa e o medo de ataques aos seus integrantes. “Muitas vezes as pessoas não têm condições: são compradas até por uma cesta básica. E dá pra entender, porque elas estão há muitos anos desempregadas, sem assinar a carteira de trabalho, então ela quer trabalhar. Só que essa não é uma empresa que vai ficar lá, ela vai implantar as torres e ir embora. E como tem alguns que não aceitam isso e brigam pelos direitos da comunidade, isso se torna um conflito”, conclui a conselheira.

Logomarca Gambá

Av. Juracy Magalhães Jr, 768, Edf. RV Center, sala 102, Rio Vermelho, Salvador/Ba. Tel/fax: 71- 3346-5965

Reserva Jequitibá – Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Serra da Jibóia, Elísio Medrado/BA