05/08/2020
O Gambá e mais de 150 organizações, coletivos e entidades assinaram moção de repúdio ao teste de calha que foi autorizado pelo INEMA no rio Paraguaçu. A moção relata que o teste foi marcado sem diálogo e seus riscos ainda não foram dimensionados nem comunicados às comunidades tradicionais pesqueiras, extrativistas e ribeirinhas que habitam e tiram seu sustento do rio Paraguaçu no trecho abaixo da barragem da Pedra do Cavalo.
Leia a moção na íntegra abaxo e faça o download do documento com todas as assinaturas aqui.
MOÇÃO DE REPÚDIO À VIOLAÇÃO DOS DIREITOS AMBIENTAIS E DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS DO RECÔNCAVO BAIANO
Nós, extrativistas da Reserva Extrativista Marinha Baía de Iguape, pesquisadores de universidades públicas baianas e representantes do terceiro setor que atuam na região do Recôncavo Baiano, repudiamos veementemente a iniciativa da Secretaria de Infraestrutura Hídrica e Saneamento do Estado da Bahia, com participação do órgão ambiental estadual INEMA e a Votorantim, gestora da Usina Hidrelétrica da Pedra do Cavalo, de se fazer um teste de calha no rio Paraguaçu durante o período de pandemia, sem nenhuma discussão séria prévia com as comunidades tradicionais que arcarão com as consequências dos impactos advindos deste procedimento.
É de conhecimento geral que o teste de calha visa avaliar qual a capacidade máxima de vazão de água que o Rio Paraguaçu suporta através da abertura das comportas de Represa de Pedra do Cavalo, liberando uma quantidade enorme de água doce em níveis que se aproximam das grandes cheias que já inundaram as cidades de Cachoeira e São Félix no passado. Entendemos a importância do teste de calha, porém repudiamos a forma como este tem sido imposto pelo governo do estado da Bahia.
Este teste estava previsto inicialmente para o próximo dia 04/08/2020 (terça-feira), mas sofreu adiamento, fruto da repercussão negativa criada pela mobilização das comunidades tradicionais que fazem parte da Reserva Extrativista (RESEX) Marinha do Iguape. A nova data foi estabelecida para o dia 17 de agosto, mas também definida sem nenhum diálogo com as partes envolvidas ou mesmo qualquer informação técnica que justifique a medida. Em nenhum momento foi explicitado o porquê do teste, como será feito, o porquê desta data, quais as dimensões dos impactos e quem se responsabilizará pela mitigação ou compensação destes danos. A abertura das comportas da Usina Hidrelétrica Pedra do Cavalo, no Recôncavo Baiano, próximo aos municípios de Cachoeira e São Félix, fatalmente gerará desastrosos danos ao meio ambiente, aos povos tradicionais da região e a importantes unidades de conservação da natureza (APA Pedra do Cavalo, APA Baía de Todos os Santos e Resex Marinha Baía do Iguape)
A região impactada por este teste de calha é composta por cerca de uma centena comunidades tradicionais pesqueiras e remanescentes de quilombo que se constituíram nesta região a partir da relação de dependência das águas do rio Paraguaçu e de Kirimurê (Baía de Todos os Santos), sobrevivendo dos recursos naturais extraídos desse majestoso estuário a partir de um longo processo histórico de resistência das populações tradicionais e de abandono por parte dos poderes públicos
Conforme pôde ser constatado em reunião realizada com representantes das comunidades da RESEX Marinha Baía do Iguape, pesquisadores e ambientalistas (30/07/20), não houve qualquer diálogo prévio do INEMA com as comunidades tradicionais que sobrevivem da pesca na região abaixo (à jusante) da barragem ou no entorno do lago da Pedra do Cavalo, nem tampouco com as universidades. Poucos dias antes da data prevista para o teste, a Votorantim, empresa responsável pela operação do teste, fez uma insuficiente campanha de divulgação através de áudios em redes sociais e carros de som em algumas comunidades, não conseguindo atingir o complexo de comunidades de difícil acesso e comunicação da região
Entendemos, portanto, que o teste de calha pode ser um procedimento técnico necessário para a segurança da barragem, mas achamos importante que ele esteja condicionado a um processo oficial de diálogo entre os órgãos competentes (INEMA, ICMBio e IBAMA) no Estado da Bahia e as comunidades locais e pesquisadores que atuam na região. Exigimos também que os possíveis danos causados por este teste sejam previamente avaliados e bem dimensionados através de estudos técnicos e que estes danos sejam então mitigados e compensados, pois não são os povos e comunidades tradicionais que deverão carregar todo o prejuízo de um teste que só ocorrerá pela existência de um empreendimento privado que, inclusive, funciona há mais de uma década de forma ilegal sem qualquer licenciamento ambiental, obtendo lucros a partir do sofrimento das comunidades e violando a Constituição Federal e a legislação ambiental (Lei 6938/1981, Lei 9433/1997, Lei 9605/98 e LC 140/2001)
A magnitude dos impactos ambientais de um teste como este pode ocasionar efeitos significativos adversos para as pessoas que trabalham na pesca, alterações bruscas na qualidade da água e consequente morte de organismos, inundações de áreas utilizadas pelos extrativistas, comprometimento da segurança alimentar das comunidades e da navegação, dentre outras. Os comunitários relatam que este procedimento comprometerá a atividade econômica de subsistência e renda da pesca no curto e médio prazo, com possibilidade de perda de seus apetrechos de pesca, morte dos crustáceos e moluscos, fuga de peixes, sem falar do medo de inundação das casas, naufrágio de embarcações e enchentes nas áreas de quem vive próximo à maré
Até então não há informações sobre a real necessidade deste teste ser feito de forma tão abrupta e sem nenhum controle social, neste momento de pandemia, no qual as populações vêm enfrentando sérias dificuldades para a manutenção de sua sobrevivência. Por que o governo do Estado, que nunca se interessou pelos danos causados por um empreendimento que funciona há mais de 10 anos sem licença ambiental; que não toma nenhuma medida necessária para o estabelecimento de uma vazão mínima da barragem que permita o rio mais importante da Bahia volte a fluir; e que há anos não realiza o teste de calha de forma rotineira, agora se importa com a capacidade suporte do rio Paraguaçu? Há riscos de rompimento da barragem? Por que ele precisa ser realizado de forma tão repentina e sem garantir segurança ao meio ambiente e aos povos tradicionais
Com o isolamento social e a interiorização da covid-19, os pescadores e marisqueiras estão com a renda comprometida, pois houve uma redução drástica na dinâmica da comercialização de seus produtos. Desta forma, o autoconsumo do pescado tem sido fundamental para a sobrevivência de inúmeras famílias dessas comunidades e esta produção pesqueira será gravemente degradada por este teste de calha. Além disto, com a finalização do auxílio emergencial em agosto e a realização do teste de calha do rio, definitivamente esses trabalhadores e trabalhadoras da maré e suas famílias não terão do que sobreviver e ficarão mais expostos e sujeitos ao contágio, à situação de vulnerabilidade social, econômica e ambiental.
Solicitamos à toda sociedade o apoio na ampla e urgente divulgação desta carta. Aos órgãos e instituições competentes, exigimos respeito ao nosso ambiente e modos de vida; garantia dos direitos legais dos povos e comunidades tradicionais e o cumprimento da legislação ambiental brasileira e a intervenção imediata para a suspensão deste teste
NÃO AO TESTE DE CALHA DO PARAGUAÇU SEM GARANTIA DE DIREITOS E SEM DIÁLOGO COM AS COMUNIDADES TRADICIONAIS PESQUEIRAS, QUILOMBOLAS, PESQUISADORES E AMBIENTALISTAS!