Manifesto sobre o petróleo no litoral do Nordeste

25/11/2019

O Brasil vem sofrendo graves crimes socioambientais neste ano de 2019. Depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho (sem esquecer o desastre de Mariana há 4 anos atrás, crime pelo qual, até o momento, ninguém foi condenado); depois das queimadas e dos desmatamentos criminosos na Amazônia, Cerrado e Pantanal; depois da liberação de cerca de 400 novos agrotóxicos para envenenar os alimentos, o solo e as águas; dos assassinatos de ativistas e populações tradicionais; somados aos pronunciamentos e às iniciativas antiambientais do atual Governo Federal com o desmonte das instâncias ambientais ( MMA, Ibama, ICMBio e SFB) e o enfraquecimento do acesso à informação; além de todos esses reveses, desde agosto passado uma enorme quantidade de petróleo cru vem alcançando o Litoral do Nordeste inteiro, chegando à costa do Espírito Santo e ainda ameaçando de contaminação o Banco de Abrolhos, um importantíssimo ecossistema marinho costeiro do Atlântico Sul.

Essas manchas de petróleo têm contaminado extensas áreas de praias, manguezais, estuários, recifes de corais, ecossistemas associados ao Bioma Mata Atlântica, já alcançando cerca de 1.300 km de extensão da costa brasileira, sendo considerado o maior desastre ambiental no mundo, em termos de extensão geográfica, proveniente deste hidrocarboneto.

Além dessa gravíssima poluição ambiental, com repercussões ainda não totalmente mensuradas para a saúde humana e ecossistêmica, preocupa demais os impactos sobre a economia local e os aspectos sociais nestes ambientes afetados. São muitas as comunidades que vivem e sobrevivem tendo nestes territórios a base de seu sustento para geração de renda e segurança alimentar, como os pescadores e pescadoras artesanais, as marisqueiras, população costeira e outros segmentos da sociedade, cuja sobrevivência está relacionada diretamente a esses territórios, numa região ainda destacada mundialmente como polo turístico.

Considerando que:

  1. Até o momento, não foi divulgada a real causa da origem deste petróleo, de onde vazou ou continua vazando. E que apesar das várias tecnologias de monitoramento de imagens de satélites, existentes no mundo e as expertises das grandes petroleiras internacionais, inclusive da Petrobrás, para explorar petróleo nas profundezas dos oceanos, não se tem uma informação pública confiável. A Marinha do Brasil afirma que vem monitorando a chamada Amazônia Azul, mas nada esclarece. 
  2. O Estado Brasileiro chegou atrasado para fazer o combate dos impactos do vazamento de petróleo não acionando com eficiência, desde o início, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional – PNC, instituído pelo Decreto 8.127/13, apesar de vir destacando sua política de exploração do pré sal e a discussão sobre a destinação de royalties, através de seus órgãos responsáveis (Marinha, Ibama, ANP, entre outros). O que foi feito, até então, foram ações desarticuladas e imprecisas. Instalou-se o posicionamento que não havia tecnologia apropriada e eficiente para conter as manchas que vêm chegando ao litoral, especialmente quando submersas, as quais quando aparecem já estão nas praias, nos estuários, nos manguezais, nos recifes. Isso demonstra um despreparo absoluto na efetivação de ações de controle e mitigação de riscos associados à essa cadeia produtiva.
  3. As tecnologias sociais desenvolvidas junto aos pescadores para o combate à presença do petróleo nos estuários e nos manguezais precisam ser ressaltadas porque, com o uso de redes e embarcações de pesca, a exemplo de pessoas das comunidades das RESEXs de Canavieiras e Cassurubá e das APAs de Tinharé – Boipeba e Itacaré – Serra Grande, têm sido bem mais eficientes do que as adotadas pelos órgãos públicos e empresas e merecem ser fortalecidas, aperfeiçoadas e até mesmo mais amplamente divulgadas. 
  4. O trabalho dos voluntários e da população costeira na coleta do petróleo ao longo de todo o litoral tem sido de extremo valor, dando uma demonstração de sensibilidade e espírito de cidadania e precisa ser reconhecido e compensado. Fica evidente que a sociedade brasileira não aceita mais tais crimes ambientais. 
  5. Apesar de todos os esforços voluntários, isso tem sido insuficiente, dada a extensão e a contínua chegada de óleo na nossa costa, agravando mais e mais a situação. Além disso essas pessoas têm sido expostas a substâncias tóxicas que comprometem diretamente sua saúde, pois nem sempre têm acesso a equipamentos de proteção individual (os EPIs); devido tanto à dificuldade de acesso à informação, quanto pela escassez ou reduzida disponibilidade dos mesmos em áreas onde as manchas chegam sem aviso prévio. 
  6. A situação dos pescadores e pescadoras artesanais e das marisqueiras está muitíssimo delicada, pois a contaminação do território por esse petróleo cru compromete sua cultura, economia e existência. Inicialmente eles ficaram invisíveis em todo este processo, mas devido à mobilização que fizeram cobrando as autoridades pela ameaça à sua sobrevivência e das famílias litorâneas, as instâncias governamentais e os Ministérios Públicos Federal e Estadual começaram a dar ouvidos às demandas. Mas infelizmente até o momento isso não se traduziu em ações compensatórias efetivas. As promessas são constantes, mas a tão necessária e urgente assistência não foi viabilizada. 
  7. Este petróleo cru é extremamente danoso a saúde das pessoas. Ele contém substâncias tóxicas representadas tanto por Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs) quanto por benzeno, tolueno e xileno e até metais pesados, com riscos toxicológicos graves, agudos e crônicos, por contato e inalação. Todo cuidado é pouco, por isso o uso de EPIs é extremamente necessário. Os sistemas de saúde, tanto o público (SUS) como o privado, não foram acionados com informações, equipes e recursos suficientes para o atendimento de casos que já foram identificados. Mais difícil ainda será monitorar pessoas ao longo do tempo caso tenham tido algum contato real.
  8. Os Governos Estaduais têm buscado uma organização para atuar nas situações que se apresentam em cada Estado. O Governo da Bahia, por exemplo, instituiu o Comando Unificado, por iniciativa da Secretaria Estadual de Meio Ambiente – Sema, com a participação de órgãos federais, estaduais, prefeituras, universidades, Ministérios Públicos Federal e Estadual, contudo, sem a participação efetiva da sociedade civil, sem a divulgação pública das atas e deliberações das reuniões e sem recursos e pessoal necessários, para execução das deliberações, acaba cobrando sempre do Governo Federal o seu papel, como estabelecido no PNC. Mas isso é insuficiente para a urgência e necessidades da situação. Os municípios, por sua vez, ficam na espera de ajuda que, na maioria das vezes, não chega.
  9. A destinação transitória e definitiva do material coletado e equipamentos utilizados é um problema à parte, que merece muita atenção. As soluções não têm sido devidamente discutidas e orientadas, levando à contaminação do solo e das águas em outras áreas. A disposição adequada não tem acontecido em vários lugares, com ocorrência frequente de denúncias de má disposição em municípios. Não está claro, por exemplo, o impacto gerado pela emissão de poluentes atmosféricos decorrentes da disposição desses materiais em cimenteiras, como tem sido cogitado. Experiência de degradação do material por bioaceleradores, realizada por pesquisadores da UFBA, tornando o produto menos tóxico, podendo ser usado com eficiência como insumo industrial, de baixo custo, está tendo um resultado bastante favorável, mas ainda em escala piloto. Nenhum Governo e nenhuma indústria incorporaram esta proposta, necessária para aumento da escala.
  10. O Poder Judiciário tem sido muito lento em emitir decisão nas Ações Civis Públicas – ACPs propostas pelos Ministérios Públicos Federal e dos diversos Estados do Nordeste, não oferecendo garantias para o cumprimento dos compromissos dos Poderes Executivos, como o acionamento efetivo do PNC.
  11. As informações não têm sido passadas adequadamente para a sociedade, com um evidente desencontro na comunicação que gera desconfiança e mais insegurança. A transparência de informações deveria ser um dos princípios básicos em casos como este, tanto em relação à origem do vazamento, como das medidas e monitoramentos que estejam sendo realizados, assim como o tratamento dado às questões relativas à qualidade dos pescados e aos danos à saúde da população. 

Desta forma, vimos a público manifestar nossa extrema preocupação com este crime socioambiental que vem ocorrendo há cerca de dois meses e meio, exigindo o seguinte:

  1. Real transparência de informações em todos os níveis de Governo, sobre as providências e investigações realizadas, as medidas de controle adotadas, além dos recursos aplicados.
  2. Declaração de Estado de Emergência em toda a região afetada para minimizar os problemas de saúde na população e a remediação necessária aos ecossistemas atingidos
  3. Apoio efetivo e emergencial aos pescadores, pescadoras e marisqueiras com um benefício assistencial, tendo em vista a situação de subsistência e insegurança alimentar em que se encontram, além da adequada análise e da ampla divulgação da qualidade sanitária dos pescados e ambientes de trabalho da pesca.
  4. Ações educativas em todos os municípios afetados, para apoiar e organizar a gestão das iniciativas emergenciais, incluindo a gestão de voluntários, priorização e distribuição dos trabalhos e contabilização de doações e de resultados alcançados para melhorar a atuação efetiva dos munícipes, tanto dos gestores públicos como dos membros da sociedade.  
  5. Criação de subcomandos unificados temporários, em cada município, a partir da identificação das articulações que surgiram em diferentes locais, com estruturação de grupos nas localidades costeiras, que envolvam lideranças e integrantes dos diversos segmentos, para realizar as ações educativas, com base nos princípios da educação ambiental, que necessariamente envolvem: (1) capilarizar as informações e as orientações seguras sobre limpeza das praias, estuários, manguezais e recifes e a destinação adequada do petróleo retirado; (2) promover a discussão,  com as comunidades sobre informações contraditórias; (3) promover debates e rodas de conversa com técnicos, especialistas e pesquisadores da temática; (4) receber, organizar e distribuir as EPIs disponibilizadas pelos órgãos públicos ou por doadores; (5) receber doações de alimentos não perecíveis, organizar bolsas a serem distribuídas às famílias mais atingidas; (6) auxiliar na elaboração do cadastro para incluir a população afetada; (7) divulgar publicamente as informações locais sobre a situação.
  6. Reconhecimento e fortalecimento das tecnologias sociais adotadas no combate das manchas de petróleo que chegam no litoral, em especial nos estuários, manguezais e recifes.
  7. Destinação de fundos existentes nos órgãos públicos para um desembolso emergencial imediato e desburocratizado, a exemplo do Fundo de Compensação que existe na Secretaria de Meio Ambiente da Bahia para aplicação em Unidades de Conservação, já que praticamente todo o litoral baiano está em UCs (APAs e RESEXs). Tanto para pagamento indenizações e subsídios da população afetada como para remediação dos impactos nos ecossistemas.
  8. Apoio às universidades e instituições de pesquisa, para fomento à pesquisa e monitoramento permanente da situação de todo o ecossistema marinho-costeiro, visando a busca de soluções para o destino do petróleo retirado, para remediação dos impactos ecotoxicológicos nos ambientes e produtos marinhos, bem como outras possíveis alternativas para minimizar a contaminação. 
  9. Suspensão de leilões de exploração do Pre Sal até que fique clara a capacidade da União e dos entes federados em lidar com os riscos associados ao incentivo da exploração, comercialização e uso de combustíveis fósseis e que seja claramente discutida a destinação de valor percentual dos royalties relativos para providências de compensação de danos.

Em defesa da Justiça e dos Direitos Socioambientais!

Salvador, 25 de novembro de 2019

GAMBÁ – Grupo Ambientalista da Bahia

Programa de Extensão e Pesquisa em Gestão Territorial e Educação Popular 

Instituto de Biologia da UFBA

Logomarca Gambá

Av. Juracy Magalhães Jr, 768, Edf. RV Center, sala 102, Rio Vermelho, Salvador/Ba. Tel/fax: 71- 3346-5965

Reserva Jequitibá – Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Serra da Jibóia, Elísio Medrado/BA