MP-BA aponta inconstitucionalidade em emendas e lei que modificam PDDU de Salvador

05/10/2021

Fundamentado em representação elaborada por 15 entidades da sociedade civil, o MP entrou, no último dia 10, com três Ações Diretas de Inconstitucionalidade para revogar artigos de leis municipais que diminuem áreas de proteção ambiental e estabelecem restrições econômicas e de acesso ao território de comunidades tradicionais da Ilha dos Frades. A alegação do MP e das entidades é que os artigos modificam o PDDU e a LOUOS e, como não passaram pelo trâmite especial necessário a esse tipo de legislação, são inconstitucionais. 

A vereadora Marta Rodrigues foi uma das que votou contra as três matérias. “Desde quando esses Projetos chegaram na Câmara, nós alertamos sobre as aberrantes inconstitucionalidades, como ausência de estudo técnico, ausência de participação popular, e a gravidade das emendas completamente destoantes da matéria do Projeto originário. O PDDU só pode passar por qualquer alteração com a participação da sociedade como um todo”, explica a líder da oposição.

Prefeitura e câmara de vereadores de Salvador são rés nas ações. Ainda assim, a prefeitura reincide na tentativa de modificar o PDDU sem os devidos estudos técnicos e participação social. O poder executivo enviou à câmara no último dia 17, o PL 305/2021, sobre o Plano Integrado de Concessões e Parcerias de Salvador. Em meio ao projeto que trata dos serviços municipais que a prefeitura pretende privatizar consta um artigo que modifica o mapa de zoneamento da Área de Proteção de Recursos Naturais do Jaguaribe, matéria pertinente ao PDDU. 

As 3 ações movidas pelo MP aguardam julgamento do TJ-BA sobre o pedido liminar de suspensão dos efeitos das matérias. O pedido final é de declaração de inconstitucionalidade formal e material. Estão sendo questionados 12 artigos da lei 9.509/2020, que cria o Condomínio de Lotes, 4 artigos da lei complementar 074/2020, que institui o Programa de Regularização Fundiária, e a integralidade da lei 9.510/2020, que cria e delimita a Área de Proteção de Recursos Naturais do Cidade Jardim/Santa Maria. 

O advogado do Gambá, Daniel Maciel, um dos responsáveis por fundamentar a representação que deu origem às ADIs, comemorou. “Muito importante sabermos que a Procuradoria Geral de Justiça do Ministério Público está cumprindo seu dever institucional de proteger os direitos das coletividades. Essas leis que foram aprovadas de forma ilícita e sorrateira, valendo se do momento de pandemia, geraram prejuízos diretos para áreas verdes especiais de Salvador e para diversas comunidades pesqueiras, extrativistas, marisqueiras e quilombolas da Baía de Todos os Santos”.

À época da tramitação, em 2019, as emendas, em sua maioria propostas pelo vereador Alexandre Aleluia, geraram polêmica e protestos tentando brecar sua aprovação, o que acabou acontecendo em dezembro de 2019 com apoio maciço da bancada da situação. Os vereadores votaram sem nem ao menos conhecer os mapas com as modificações propostas, que só foram incluídos no processo legislativo em março de 2020. Seguiu-se então uma campanha pelo veto do prefeito ACM Neto às emendas, o que também não aconteceu.

Campanha do SOS Vale Encantado pelo veto na lei que reduz a proteção ao Refúgio da Vida Silvestre do Vale Encantado

As ADIs foram movidas pelo MP em resposta à representação de 9 Associações de Pescadores, Marisqueiros, Extrativistas e Quilombolas da Baía de Todos os Santos, Conselho Pastoral dos Pescadores, Fórum a Cidade Também é Nossa, Grupo Ambientalista da Bahia, Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico, Instituto de Arquitetos do Brasil (Departamento Bahia) e Movimento Vozes de Salvador. Nelas, o MP alega que os 3 casos, além de violar exigências da constituição estadual para modificação de planos diretores, também transgridem a constituição federal por desviar a função dos três poderes. No caso, o legislativo abusou de seu poder ao inserir emendas desconexas ao objetivo das leis, uma prática conhecida como contrabando legislativo ou “jabuti”. 

“O Plano Diretor é um instrumento chave para a efetividade ao princípio da função social da propriedade e da cidade. As alterações pontuais feitas sem a participação e controle social, sem estudos técnicos configura-se como violação à ordem urbanística e aos princípios constitucionais”, explica Adriana Lima, conselheira de estudos e pesquisas do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico.

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APCP Ilha dos Frades teve o regramento modificado e está cada vez mais privatizada

Na Ilha dos Frades, as emendas inconstitucionais do vereador Alexandre Aleluia já afetam a subsistência das famílias de pescadores do local e de ilhas do entorno, que costumavam pescar ou exercer atividade econômica nas Áreas de Proteção Cultural e Paisagística e Áreas de Proteção aos Recursos Naturais existentes. Sem estudos que demonstrem tal necessidade, foi proibida a pesca, prática de camping, venda de artesanato e controlado o acesso às trilhas e outros locais de importância histórica e cultural. As regras restritivas que dificultam a vida dos nativos, são incompatíveis com o aumento do gabarito de construção de empreendimentos hoteleiros trazidos pela mesma lei, deixando claro que, independente do impacto, o objetivo é criar uma área gourmetizada de turismo de alto padrão. As emendas permitem inclusive a cobrança de ingresso para acesso à ilha.

“Não existe discutir essas emendas sem as populações que vivem exclusivamente e alimentam suas famílias da pesca. Elas precisam de debate e que sejam consultadas as populações tradicionais. Temos relações muito profundas com a natureza, que não podem ser quebradas por esse modelo turístico em que poucos serão beneficiados. A cidade de Salvador precisa enxergar a população das ilhas como sujeitos de direito, precisamos ser consultados nas decisões que nos afetam”, protestou à época da aprovação das leis Eliete Paraguassu, liderança dos pescadores e marisqueiras da Ilha de Maré. Eles também vêm sendo impedidos de pescar na Ilha dos Frades.

Se nas ilhas a patrimonialização territorial é possibilitada através da manipulação e endurecimento de regras ambientais sem estudos que justidiquem, no continente acontece o contrário: um afrouxamento geral em áreas de interesse dos especuladores imobiliários. A diminuição da poligonal do Parque do Vale Encantado, da APRN da Bacia do Jaguaribe e a extinção da zona de amortecimento do Parque de Pituaçu vão permitir a instalação de empreendimentos de alto padrão, gerando riqueza para pouquíssimos e ao custo da destruição de fragmentos florestais importantes para a qualidade de vida e manutenção de serviços ambientais em Salvador, incluindo a regulação de temperatura.

“Áreas verdes de Salvador perderam sua proteção especial, podendo virar concreto, afetando o clima de toda a cidade, como, por exemplo, a Zona de Ocupação Controlada (ZOC) do Parque de Pituaçu, que protegia diretamente seu entorno, sendo importantíssima para o equilíbrio do Parque e de Salvador como um todo. É muito grave. A ZOC deixou de existir com essas leis inconstitucionais”, lamentou a vereadora Marta Rodrigues.

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