No dia mundial do meio ambiente, nada a comemorar no Oeste da Bahia

05/06/2019

Nos dias que antecederam a semana do meio ambiente uma série de notícias, eventos e movimentações da sociedade civil mostraram que o cerrado baiano está ameaçado e as agressões não vêm ocorrendo à margem da lei. O incentivo estatal ao desenvolvimento do agronegócio no oeste baiano vem instalando conflitos agrários, pelo uso da água, colocando em risco a biodiversidade, disponibilidade de água e ameaçando o estado com um processo de desertificação. Tudo isso com anuência da gestão ambiental estadual.

Em 22 de maio foi publicada no Diário Oficial do Estado a prorrogação de prazo de uma permissão para supressão de vegetação no município de Formosa do Rio Preto beneficiando uma das empresas que compõem o condomínio Estrondo, suspeito de grilar 400.000 hectares de terra. O tamanho da área que o Inema permitiu desmatar assustou ambientalistas, são quase 25.000 hectares. A autorização foi pautada em reunião do Conselho Estadual de Meio Ambiente, no último dia 31: ˜Registramos aqui nossa estranheza, repúdio e indignação. Na época da autorização, em 2015, ela foi amplamente contestada com base em dados de desmatamento do Cerrado. Mas, para além disso, de que as terras em questão já estavam, à época, em litígio fundiário. Desde 2017 a área que é apresentada como reserva legal do empreendimento, está, por decisão da justiça da Bahia, de posse das comunidades tradicionais. Gostaríamos que os técnicos do Inema fossem orientados para atualizar tais informações. Em 2017, houve decisão em primeira instância e em abril deste ano os desembargadores mantiveram a posse das comunidades”, protestou Amanda Santos Silva, conselheira pela Associação de Promoção do Desenvolvimento Solidário e Sustentável (ADES).

Esse tipo de autorização tamanho G, no entanto, infelizmente, não é rara. Desde o dia 22 já foi autorizado o desmatamento de mais 4667 hectares e outorgado o uso de 25.555 m3 de água por dia. Os conselheiros da sociedade civil do CEPRAM protocolaram requerimento para a criação de um Grupo de Trabalho que monitore as autorizações de supressão de vegetação nativa (ASVs) e outorgas para irrigação a fim de normatizar critérios para o uso sustentável e socialmente justo do Cerrado. No início do ano, o Gambá já havia solicitado ao Inema, baseado na Lei de Acesso à Informação, levantamento das ASVs e outorgas expedidas pelo órgão nos últimos anos. O órgão afirmou não ter essas informações sistematizadas para disponibilizar.

Para os conselheiros da sociedade civil do CEPRAM, o cerrado, portador de 5% da biodiversidade do planeta e considerado a caixa d’água do Brasil, “está sendo legalmente destruído (…) estamos trocando a riqueza de todos pela riqueza de poucos a um alto custo socioambiental. O desmatamento do Cerrado baiano está servindo somente ao agronegócio predatório, baseado em uso intensivo da terra e da água e de muito agrotóxicos para manter cultivos que não nos alimentam. Embora os licenciamentos e demais atos autorizativos atendam os procedimentos legais vigentes, a inexistência de normas e critérios compatíveis com os objetivos da política estadual evidencia uma contradição institucional que revela como uma inobservância legal. Pode ser legal, mas é imoral”. Clique para ler o documento na íntegra.

“Nossa proposta é que trabalhemos com novos critérios para liberar essas autorizações, que nos dêem mais segurança nesse processo, pois a forma que vem acontecendo hoje é absurda. O cerrado não pode ser desmatado legalmente da forma que vem acontecendo e gerando conflitos de uso de água também. Antes da liberação dessas autorizações precisamos ver também a questão da propriedade, a questão fundiária é fundamental para a emissão dessas autorizações˜, defende Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá e conselheiro do CEPRAM. Atualmente, a consulta fundiária não faz parte do rito de licenciamento do Inema, apesar dos frequentes protestos nesse sentido de ambientalistas e comunidades tradicionais o órgão afirma que confirmar a veracidade de documentos submetidos pelo empreendedor não está entre suas atribuições. Quando se descobre que a terra foi grilada, os recursos naturais já foram devastados. O CEPRAM não pode ficar alheio a este processo, reforça o requerimento.

Disputa judicial pela água do rio Corrente

A conivência do governo do estado com a destruição do Cerrado ficou clara na audiência pública promovida no âmbito de um processo judicial movido pela Associação Corrente Verde contra o empreendimento Sudotex – conglomerado de plantio e processamento industrial de algodão autorizado pelo Inema a captar 27 milhões de litros de água por dia através de 15 poços para abastecer 10 piscinões.

Promovida pelo desembargador Mario Albiani Jr no dia 30 de maio, a audiência serviu para coletar depoimentos para o processo judicial e também discutir os conflitos da gestão de águas no Oeste da Bahia. O primeiro orador da audiência, embora tenha se declarado neutro na contenda judicial, deixou bem claro de que lado estava ao fazer perguntas lisonjeiras ao réu do processo sobre a quantidade de empregos que o empreendimento geraria. Tratava-se nada mais, nada menos que o, na ocasião, governador em exercício da Bahia, João Leão, que representou o Estado da Bahia, amicus curiae no processo.

João Leão mostrou dados da concentração de arrecadação estadual na Região Metropolitana de Salvador e defendeu a expansão da industrialização e do agronegócio para outros territórios: “Pense nos seus filhos, nos seus netos. Nós vamos gerar emprego aonde?”. Como exemplo, citou que a bacia do rio Corrente contribui apenas com 0,35% da arrecadação e aconselhou o proprietário da Sudotex a expandir suas atividades para Correntina – o que justamente é o objeto da ação judicial. Ainda arrematou com “o estado da Bahia está pronto para ser seu parceiro em um empreendimento dessa natureza”, para protesto da platéia.

Marcos Rogério Beltrão representou a Associação Corrente Verde, entidade que moveu a Ação Civil Pública contra as outorgas concedidas pelo Inema e questionando a legalidade da propriedade da terra onde se pretende instalar o empreendimento Sudotex. Ele demonstrou preocupação com a destruição do Cerrado, em especial com a situação do aquífero Urucuia que não tem tido suas áreas de recarga preservadas. O cultivo nessas áreas impede que as águas das chuvas cheguem ao subsolo, gerando tanto baixa no nível do aquífero, quanto alagamentos por conta do extravasamento dos rios. Segundo ele, as captações de água no rio Corrente baixaram tanto o nível da água que vêm impedindo geração de energia em um pequena central hidrelétrica e levou o Inema a suspender outorgas a jusante da PCH. A nascente do rio Corrente atualmente está 3 km abaixo do local onde era e o desaparecimento de cursos d’água gera apreensão da população que pode culminar em conflitos como o ocorrido na revolta popular que destruiu equipamentos de captação de água da Fazenda Igarashi, em Correntina, em novembro de 2017.

Os peritos das duas partes do processo discordam em relação ao potencial do empreendimento em baixar o nível do aquífero, mas concordam em algumas recomendações à gestão ambiental estadual. O geólogo e professor da UFBA, Luiz Rogério Bastos Leal, apresentou o laudo técnico elaborado para a defesa do processo e as recomendações incluem a revisão  dos critérios de outorgas vigentes, levando em consideração o stress hídrico e novo perfil pluviométrico na bacia e atualizar imediatamente o plano de recursos hídricos da bacia do rio corrente. Samuel Brito Chagas, engenheiro agrônomo que realizou perícia para a acusação, lembrou ainda da incompatibilidade entre a legislação federal (Resolução Conama 237/2007) e o decreto estadual 16.963/2012. O decreto estadual libera as atividades agrossilvopastoris de licenciamento ambiental, cabendo só as autorizações de supressão de vegetação, outorga, averbação de reserva legal. Com isso, perde-se a visão sistêmica dos impactos ambientais do empreendimento, já que eles são fatiados nos diversos pedidos ao Inema.

Em relação às recomendações, a Secretaria do Meio Ambiente e Inema procuram se eximir da responsabilidade de planejar e executar a conservação do Cerrado, deixando o caminho livre para as pretensões de expansão econômica defendida pelo governo. Sobre a gestão de águas,  afirmam estar trabalhando na construção de pactuações e consensos para os usos múltiplos. A diretora geral do Inema, Márcia Teles, anunciou que nos próximos dias deve ser assinado o contrato para a construção do Plano de Bacia do rio Corrente. Especialmente sobre as críticas ao grande número e tamanho das ASVs, afirmam estar somente cumprindo a legislação “isso é algo que pode ser discutido, mas não no âmbito do executivo, e sim no legislativo, porque a lei no estado da Bahia prevê 20% de reserva legal. Portanto considere que se você tiver sua reserva legal preservada e as áreas de preservação permanente, entende-se que todo o resto poderia ser retirado. Não estou entrando no mérito do bom e do ruim, estou falando do que a lei permite. Se vamos discutir o que queremos preservar de Cerrado daqui para a frente, temos que alterar a lei” defende Telles.

Enquanto a gestão ambiental estadual aposta num olhar meramente legalista, os conflitos socioambientais proliferam e são judicializados. Comunidades geraizeras de fecho e fundo de pasto, quilombolas e indígenas assistem seus territórios serem tomados violentamente com suporte do estado. A morte do advogado Eugênio Lira, defensor de comunidades tradicionais da região, foi lembrada na audiência como mais um exemplo da ameaça que paira sobre o cerrado baiano e as comunidades que nele habitam.

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