O que ameaça o Parque Pituaçu?

30/09/2016

Manifestação em defesa do Parque Pituaçu no último dia 25. Foto: Edson Carvalho.
Manifestação em defesa do Parque Pituaçu no último dia 25. Foto: Edson Carvalho.

Nos últimos meses um grupo de frequentadores, moradores do entorno e ambientalistas têm se mobilizado em um movimento de defesa do Parque de Pituaçu. O estopim da mobilização foi a inclusão do projeto da Avenida do Atlântico no novo PDDU de Salvador, que pretende passar por cima de Pituaçu e cortar o Parque do Vale Encantado. O projeto voltou a preocupar os amigos do parque, mas não é o único problema, além dessa ameaça existem problemas antigos que seguem incomodando. Dialogando e agindo a respeito dessas questões, o grupo segue na defesa e valorização da área buscando ressaltar as suas belezas e opções de lazer. Para esses cidadãos mobilizados é importante que o parque seja preservado e público, um espaço democrático para todas as classes sociais.

Projeto de traçado da Avenida do Atlântico
Projeto de traçado da Avenida do Atlântico

 

O Parque Metropolitano de Pituaçu foi criado em 1973 pelo governo do estado, antes, portanto, da criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), que veio em 2000. Somente em 2006 o estado enquadrou os Parques Urbanos baianos no SNUC, classificando como Unidades de Conservação de Uso Sustentável, ou seja, que compatibilizam a proteção à natureza, com o uso sustentável dos recursos. O uso da área para além da conservação, tem sido uma realidade no parque, que é utilizado para a prática de esportes, passeios e conta até mesmo com uma coleção de esculturas do artista Mário Cravo.

Para a gestora atual do parque Bernadete Argolo, no entanto, falta clareza sobre essa categorização dentro do SNUC, já que nele não consta a categoria Parque Urbano, “o decreto de 2006 do governo caracteriza como Unidade de Uso Sustentável, mas os estudos realizados em 2013 para a nova poligonal apontaram para a criação de uma unidade de proteção integral em uma área. Apesar disso, o estado vê como de uso sustentável e isso não está totalmente definido”.

Uso esse que nem sempre é feito de forma sustentável e tem prejudicado a conservação do parque, como explica Beto de Bila, coordenador de articulação comunitária do parque: “alguns empreendimentos dentro do parque ameaçam tanto a fauna como a flora. Existem as raves que acontecem de 15 em 15 dias na casa de shows Alto do Andu. São 24 horas de música eletrônica próximo a uma parte alagadiça onde existem muito répteis que têm dificuldade com som, principalmente na época de acasalamento. Os pássaros abandonam os ninhos. Depois de um show desse num raio de 200 metros você não vê um calango sequer. Macaco prego vive nessa área, raposa, então traz muitas dificuldades e começa a acender a luz vermelha”.

Essa incompatibilidade de uso com a conservação aconteceu também no caso do Bahia Café Hall, cujo contrato de concessão previa um restaurante, mas foi desvirtuado para uma casa de shows com capacidade de mais de 2 mil pessoas. O espaço foi retomado pelo estado em 2015 e deve abrigar um centro cultural.

De 1973 para cá, vários decretos estaduais e municipais alteraram a poligonal do parque, que passou dos iniciais 660 hectares para 382 (decreto 14.480 de 2013). Algumas dessas alterações desafiam a lógica, como a doação do terreno onde está instalada a Universidade Católica de Salvador. Afinal, qual é a razão para doar um terreno público, de interesse para conservação ambiental, a um empreendimento particular? Em outros casos o próprio estado parece dificultar a conservação do parque, como aconteceu com a construção de um quartel da polícia de eventos, um prédio de quatro andares instalado no coração do parque.

Mas além dessas doações, existem 14 propriedades reconhecidas pelo estado para serem desapropriadas, o que não foi feito ainda, apesar da área ter sido declarada de utilidade pública desde 1978. Ex-gestor do parque, Cézar Menezes afirma que essas propriedades tornam a atual poligonal do parque ilusória: “A poligonal de 2006 retirou áreas enormes do parque. Ou porque tem um proprietário e o estado não tem como pagar para desapropriar ou fazem uma doação, como foi o terreno enorme doada à Universidade Católica. Outra questão é que há 16 hectares que são do Parque Olímpico contabilizados, ali do lado estádio. Na poligonal de 2013 alguns desses terrenos voltam para dentro do parque. Significa que essa poligonal é mais frágil que as outras que existiram. Porque você não tem certeza que se ela continua”.

poligonais-2006-e-20013
Poligonais de 2006 e de 2013 sobrepostas. Clique para ampliar.

Embora as invasões de famílias de baixa renda sejam sempre apontadas como vetor de destruição, Beto de Bila aponta que empreendimentos particulares e ocupações de alto padrão como um grande problema “Hoje a grande questão do parque são as invasões de colarinho branco. Que são pessoas que se apresentam até de forma prepotente mostrando pra você que é o dono, mostra uma documentação que não é convincente e vem ameaçando constantemente e diminuindo o parque”, lamenta. Essa é também a posição de Bernadete Argolo, que considera coibir as invasões o principal desafio de sua gestão. “A gente não tem um parque cercado o que ajudaria muito nessa tarefa”, comenta ela.

Atualmente está em curso um processo eletivo (Saiba mais) para reativar o Conselho Gestor do Parque, que esteve desativado desde meados de 2015. Bernadete vê a reinstalação como um passo fundamental, “eu entendo o conselho como essa grande ferramenta para você começar a tratar de aspectos como o Plano de Manejo, ele pode elaborar essa minuta que, quando aprovada pelo Inema, pode ter uma linha para seguir”. Para ela, é necessário regular os tipos de atividades permitidas no parque e legalizar os permissionários que já estão lá: “essa é uma área pública, então precisa fazer o ordenamento: o levantamento dos permissionários que estão com contrato vencido já foi feito, então se a gente consegue reestruturar isso dá pra ir pra frente”.

Já Cezar Menezes não vê perspectiva imediata de construir o plano de manejo, “eu não vejo a possibilidade da gente criar um plano de manejo se temos uma poligonal totalmente incerta. Porque e se você cria um plano de manejo e o estado quer devolver aquela área para o proprietário? Se o estado não indenizar o cara ganha na justiça, o terreno é dele”. Essa indefinição da poligonal para ele favorece a especulação imobiliária, que cada vez se aproxima mais e estrangula o parque. “A prioridade maior que temos aqui é definir concretamente o limite do parque, indenizando, indo pra justiça e indenizando o cara. É o que fazem em outras áreas da cidade, para obras, porque não fazem aqui? Hoje o valor é muito alto? É muito alto porque todo mundo foi empurrando com a barriga. Ninguém teve interesse. A discussão já existia há muito tempo: as imobiliárias estão comprando tudo em volta, vai ficar mais caro. E é assim, falta vontade política de brigar com os grandes grupos econômicos”.

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Reserva Jequitibá – Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Serra da Jibóia, Elísio Medrado/BA