Privatização de parques provoca temor entre ambientalistas e comunidades na Bahia

17/02/2021

Anúncio do governo do estado, que segue proposta de Bolsonaro para o meio ambiente, foi feito de surpresa, sem consulta e nem discussão pública. Ambientalistas e lideranças consideram que a medida autoritária vai impedir comunidades de utilizarem o parque e coloca em risco áreas de preservação cultural e de biodiversidade

Parque de Pituaçu
Parque São Bartolomeu

Por Felipe Milanez

Na última Sexta feira (05/02/2021) comunidades de parques da Bahia receberam com enorme preocupação a notícia do plano de concessão de cinco parques baianos à iniciativa privada, como parte do projeto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) de Concessões de Parques Naturais, lançado no fim de 2020. Os parques ameaçados pela privatização na Bahia são: Pituaçu, Jardim Zoológico e São Bartolomeu, em Salvador; Sete Passagens, na Chapada Diamantina, e o Parque Estadual da Serra do Conduru, no Sul da Bahia, entre os Municípios de Ilhéus, Uruçuca e Itacaré. 

A notícia atinge três áreas vitais da cidade de Salvador: os maiores mosaicos de área verde e de água. Com espanto, movimentos sociais que vivenciam essas regiões reuniram-se para traçar estratégias de resistência e se opor a essa iniciativa do Governo do Estado. 

A mobilização visa não apenas defender o caráter público dos parques, como seu aspecto de uso comum pelas comunidades do entorno. Essa visão é contrária ao que está acontecendo no processo de privatização, visto que a comunidade relata só ter tomado conhecimento do processo a partir da Imprensa. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia, a medida deveria fortalecer a gestão. O que ambientalistas e lideranças discordam. A começar pela própria forma como a decisão foi tomada, sem nem sequer informar os conselhos gestores dessas unidades de conservação. 

“A privatização significa entregar um patrimônio – que é público! – para uma iniciativa privada que a gente não saberia dizer como é que vai acontecer”, diz Renato Cunha, coordenador do Grupo Ambientalista da Bahia (Gambá).  “A gestão dessas unidades de conservação pública deve ser fortalecida publicamente pelos órgãos responsáveis, visando a proteção da biodiversidade, a relação com as comunidades em seu entorno, para que, efetivamente, numa forma participativa, a gestão fique mais eficiente, com maiores cuidados com essas relações entre a natureza e o ser humano. É importantíssimo o fortalecimento dos conselhos gestores das unidades para que a participação da sociedade seja efetiva na contribuição com a gestão. É fundamental que essa biodiversidade não seja entregue para uma iniciativa privada que vai gerar lucro e não se sabe como será a gestão”, finaliza Renato Cunha.

São Bartolomeu, no bairro histórico de Pirajá, é uma área de uso comum de diversos terreiros de Candomblé. “O parque São Bartolomeu é o respiro e o sustento de muitos de nós. Esta floresta é a nossa mãe espiritual. Promover a venda, o espólio, é tirar das nossas vidas o alimento da alma! A APA São Bartolomeu é um espaço para a prática do bem-viver e morada de Orixá, de Inquice; é casa de encantados é o santuário a décadas do povo de Terreiro”, afirma a Ialorixá do Terreiro Ilè Asè Oyá, Nívia Luz. 

A Ialorixá chama atenção também para a dimensão de perdas que a comunidade do terreiro enfrenta com a privatização:

“Como afeta o terreiro e a comunidade? De todas as formas! Com a perspectiva da perda, o risco do adoecimento, por a gente não imaginar que tipo de barganha e de acordo que está vindo aí, sem nem ao menos ser consultado e saber o que é que a gente tem e o que é que a gente vive do lado de cá.  Ao mesmo tempo, a perda de uma tradição; o Candomblé é a natureza, o Candomblé é regido pelos orixás que representam os elementos da natureza, tudo que nós temos no parque São Bartolomeu. Então, é a perda de elementos do Sagrado; é a perda do direito de ir e vir; é também a perda de professar a nossa fé. Fui criada nessa comunidade. Minha avó, fundadora do terreiro Ilè Asè Oyá, veio morar aqui por uma missão espiritual que se desenhou para ela aos 8 anos de idade, ainda na cidade de Cachoeira, onde ela residia, e a nossa família se construiu nesse lugar. Então, é a perda do sentimento, da memória, da identidade, da história e sobretudo da tradição. A perda do espaço do Rio do Cobre; de utilizar aquelas águas para os nossos ritos, dentro do nosso Axé, para saudar a nossa Mãe e os Encantados, os Inquices e os Orixás que vivem naquela área. São perdas que não são simbólicas; perdas que a gente ainda terá dificuldade de digerir e de imaginar.  Na Bahia, um governo eleito de forma democrática não consegue agir democraticamente; não consegue respeitar os princípios. Uma pessoa que se forja, segundo ele, num bairro periférico como a Liberdade e não consegue entender a questão racial, não consegue entender o Povo de Santo, porque está tirando do Povo de Santo o direito de cultuar seus orixás, seus ancestrais que estão ali aportados naquele parque, naquela floresta. Para além de um parque, como muitos outros que nós vemos ali, o São Bartolomeu é um Santuário; é uma área sagrada de culto aos orixás, aos caboclos. Como vai ficar isso? Quem vai assumir isso? O que é que a gente vai perder? Tudo!”

Segundo Paulo Canário, do coletivo Viva o Parque de Pituaçu, o parque público deve ser ocupado pelas comunidades, e não servir de lucro para empresários.

“Esse é um lema que o movimento Viva o Parque de Pituaçu, que o Festival Alternativo de Pituaçu e que a escologia incorporam: Ocupar para Preservar. Isso tem uma relação obviamente direta com a participação comunitária. Nós imaginamos o Parque de Pituaçu preservado, na sua integridade, que já perdeu praticamente 50% da área original, e nós entendemos o parque como um instrumento de transformação social através da educação; a educação de uma forma mais ampla possível: educação social, ambiental, comunitária, e que essa transformação faça com que nós tenhamos uma ocupação permanente a partir da própria comunidade, não só, mas principalmente da comunidade do entorno. O Pituaçu é um parque para a cidade de Salvador, onde se discutem fortemente questões como o impacto das mudanças climáticas. A Prefeitura está lançando agora, um plano de mitigação dos impactos da mudança climática da cidade de Salvador, é um contrasenso abdicarmos de uma área verde como essa, que dentro desse processo de privatização ou de concessão pode vir a sofrer uma degradação e uma futura ameaça a partir das empreiteiras através da especulação imobiliária. Nós queremos um parque público para garantir que seja ocupado de forma sustentável pelas comunidades com lazer, arte e cultura. E que isso sirva como elemento de transformação social. Essa é nossa bandeira maior! #NemUmMetroaMenos”

Esta ação do governo da Bahia revela a falta de compromisso com os parques e o desmonte da ação governamental na área ambiental, e, para maior preocupação, seguindo a mesma linha das ações internacionalmente criticadas do ministro “anti” Meio Ambiente Ricardo Salles. 

Em Pituaçu, a privatização segue a precarização feita pelo governo, relata o ativista  Paulo Canário:

Manifestação em defesa do Parque Pituaçu. Foto: Edson Carvalho.

“O Parque sofre com uma administração precária; com diversos aspectos da sua estrutura degradados, associados à contaminação da sua lagoa por esgotos e também por assoreamento por obras do próprio Governo do Estado. Temos uma administração que se concentra na parte de entrada, com jardinagem, com manutenção de condições que a princípio levam a uma boa conservação, porém, o seu interior sofre com o processo contínuo de degradação. O Parque tem um conselho gestor atuante que foi reinstalado a cinco anos, a partir da luta da comunidade e vem tentando influenciar o Governo do Estado para a necessidade de desenvolver um processo de preservação permanente da sua área, que, inclusive, é uma área ameaçada pela especulação imobiliária”

Entretanto, segundo Canário, apesar dessa situação de precarização, o parque é amplamente utilizado pela comunidade, inclusive com duas ações importantes movimentadas pela sociedade civil: o coletivo Viva o Parque Pituaçu, de cunho ecológico e político, de luta pelo parque e o Festival Alternativo, voltado para manifestações artísticas e culturais no parque. Portanto, deve ser mantida a autoridade comunitária nas decisões referentes ao Parque Pituaçu.

“O Parque, hoje, é utilizado por diversas pessoas e entidades. Grupos artísticos, como Dança, Capoeira, Tai Chi Chuan, Yoga; assim como ciclistas, remo, atividades culturais das mais diversas formas, como palhaçaria e mágicos; processos educativos como visitação de escolas públicas, aulas ao ar livre… e por atividades de lazer da comunidade, como contemplação da natureza e música. É o quarto ano consecutivo que conduzimos o Festival Alternativo nas suas instalações. Mesmo neste momento de pandemia, conseguimos fazer através de atividades virtuais, gravadas, inclusive, no interior do parque, com arte, música, teatro, poesia, atividades de recreação, contação de histórias, etc. Então, a comunidade, apesar das debilidades do Parque e das atividades que são oferecidas, de certa forma, ocupa o espaço não deixando se tornar abandonado. Já sofremos muito no passado com a questão da segurança, mas hoje em dia isso já está superado. São diversas entidades que utilizam a estrutura do parque para poder prestar esse serviço comunitário, voluntário, sem nenhum tipo de orientação ou apoio do Governo do Estado.”

“São Bartolomeu é um santuário, uma área sagrada de culto aos orixás, aos caboclos”, afirma ialorixá Nívia Luz

“Como me senti com esse anúncio da privatização? Vilipendiada é a palavra para começar e ao mesmo tempo aterrorizada com a possibilidade da venda de algo que não se vende, não se comercializa; da venda de energias, da venda de um bem imaterial que reside em uma comunidade por séculos e da possibilidade da perda de direito; direito de acesso à área, direito de usufruir desse bem comum; medo da perda de um bem viver, de uma qualidade de vida, de uma área de floresta num centro urbano como Salvador nos proporciona e o desrespeito de um governo tirano que não leva em conta a existência de seres humanos, de pessoas. O medo assola o meu coração num momento como este, e ao mesmo tempo, emerge a necessidade de lutar por respeito e dignidade, por reivindicar a herança ancestral de uma comunidade de terreiro, de uma comunidade espiritual, mas também de uma comunidade social, cidadã, que é a Área de Preservação Ambiental Parque de São Bartolomeu na bacia do rio Cobre”

Logomarca Gambá

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Reserva Jequitibá – Posto Avançado da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, Serra da Jibóia, Elísio Medrado/BA