Rede Mata Atlântica e CN-RBMA divulgam nota condenando emendas inconstitucionais em Salvador

30/09/2020

A Rede de Ongs da Mata Atlântica, que reúne mais de 120 entidades que atuam pela conservação do Bioma em 17 estados, e o Conselho Nacional da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica divulgaram nota conjunta condenando as emendas inconstitucionais que alteram tamanho e regramentos de áreas de proteção aos recursos naturais em Salvador. As emendas foram aprovadas pela Câmara Municipal de Salvador e sancionadas pela prefeitura.

A nota reforça a representação apresentada por 15 entidades ao MP-BA, pedindo que o órgão questione na justiça a constitucionalidade das 3 leis em questão.

Saiba mais sobre as emendas em questão aqui

A nota ainda faz uma crítica a gestão ambiental tanto da prefeitura quando do Governo do Estado, que têm implantado obras de impacto ambiental considerável para o meio natural e as comunidades do entorno.

Leia na íntegra abaixo ou clique para baixar o documento:

NOTA: Mata Atlântica sob ataque na Região Metropolitana de Salvador

Segue a pressão pela devastação da Mata Atlântica. O uso indiscriminado do solo, uma das principais contribuições brasileira para o agravamento das mudanças climáticas, vem sendo intensificado no Brasil pela construção civil e obras de infraestrutura. Ligada à expansão de núcleos urbanos e estimulada por intervenções públicas que privilegiam infraestruturas cinza e funcionam como vetores de pressão, a atividade está relacionada à especulação imobiliária, que vulnerabiliza comunidades e ao estímulo de toda uma cadeia produtiva vinculada à economia fóssil.

Em Salvador, capital totalmente inserida no Bioma Mata Atlântica, a recente alteração inconstitucional de planos de ordenamento urbano favorece essa degradação, impactando justamente áreas protegidas, em prol da expansão urbana em regiões próximas a grandes propriedades privadas de grupos imobiliários tradicionalmente conhecidos no município. Tais alterações contrariam a constituição estadual, que exige estudos técnicos e participação popular para mudar os planos de ordenamento urbano.

De uma só vez, o Sistema de Áreas de Valor Ambiental do Município (SAVAM) sofreu impactos com a diminuição das poligonais do Parque do Vale Encantado, da Área de Proteção dos Recursos Naturais (APRN) da Bacia do Jaguaribe e diminuição das restrições de uso no manguezal do rio Passa Vaca (último remanescente de manguezal na orla mais ao norte do município), e áreas adjacentes ao Parque de Pituaçu. Essas reduções e flexibilizações permitem a instalação de empreendimentos imobiliários que perpetuam um modelo excludente a altos custos ambientais, enquanto se propaga o discurso falacioso de que as ocupações irregulares são as maiores responsáveis pela degradação ambiental na cidade.

Boa parte das áreas impactadas compõem exatamente regiões com potencial de conectividade, apresentando remanescentes em estágios variados de regeneração, que podem constituir corredores ecológicos. As mesmas áreas têm sido alvo de fragmentação gerada por novas estruturas viárias e projetos de macrodrenagem que repetem uma concepção ultrapassada e reproduzem uma lógica de crescimento urbano que não se traduz na melhoria de qualidade e saúde, acentuando desigualdades e acumulando passivos.

Nesse sentido, Governo do Estado e Prefeitura Municipal de Salvador colaboram entre si – e ambos com o setor privado – na emissão de licenças ambientais totalmente questionáveis jurídica e tecnicamente. É o caso das intervenções do BRT,do monotrilho/VLT,da canalização do rio Jaguaribe (entre outros rios), dos desmatamentos autorizados na área retirada ilegalmente da poligonal do Parque de Pituaçu e nos manguezais da baía de Aratu, além da instalação de uma estação elevatória de esgoto às margens da icônica lagoa do Abaeté. São muitos os exemplos de licenças emitidas pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano do município e pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema), por vezes com posterior anuência da justiça, que são veementemente questionadas pelas comunidades, entidades técnicas, ativistas socioambientais e pelo Ministério Público por conta de procedimentos inadequados.

O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, ainda em processo de elaboração e sem a devida participação da sociedade civil, reforça a indicação dessas áreas como prioritárias para conservação e restauração de conectividade. Sua versão preliminar deveria ter sido apresentada em agosto ao Conselho Municipal de Meio Ambiente, no entanto foi retirado de pauta por pressão do setor empresarial, alegando justamente a preocupação com seu possível impacto econômico. O Plano de Mudanças Climáticas de Salvador, que seria mais um instrumento para garantir a proteção ambiental no município, também está sendo elaborado com pouca escuta da sociedade.

Mananciais importantes, como o Cobre, Pituaçu e o sistema Joanes-Ipitanga, na Região Metropolitana, estão cada vez mais susceptíveis à poluição e perda de suas áreas de preservação permanente, quando deveriam ser recuperados, considerando a importância de garantir segurança hídrica diante do cenário já evidente de emergência climática. A principal fonte de abastecimento de Salvador é o rio Paraguaçu, que vem da Chapada Diamantina atravessando áreas semiáridas, já comprometido pelo uso intensivo da terra e pela contaminação por agrotóxicos.

A má gestão ambiental prejudica toda a população da Região Metropolitana de Salvador. No entanto, nas comunidades tradicionais que resistem no território, o impacto é instantâneo e ainda mais forte, pois são destruídos não somente seus meios de subsistência, mas também os territórios que compõem a sua identidade.Se por um lado ganham força propostas factíveis de recuperação verde da economia, por outro os especuladores e operadores de negócios sujos apelam a práticas criminosas baseadas em fogo, trator e corrupção. Onde encontram resistência, tentam claramente criar mecanismos de criminalização, expulsão e extermínio de comunidades tradicionais.

Exemplo disso são as modificações inconstitucionais nos planos urbanísticos de Salvador, que restringem a pesca e outras atividades das comunidades quilombolas, de pescadores e marisqueiras nas ilhas do município. As regras restritivas que dificultam a vida dos nativos são incompatíveis com o aumento do gabarito de construção de empreendimentos hoteleiros, deixando claro que, independente do impacto, o objetivo é criar uma área de turismo de alto padrão.

Na Região Metropolitana, as comunidades quilombolas do Quingoma e do Rio dos Macacos têm sido ameaçadas, perseguidas e enfrentado redução de acesso à terra, aquíferos e recursos essenciais para sua existência e preservação de sua identidade. O quilombo de Ipitanga dos Palmares e outras comunidades que habitam o Vale do Itamboatá, em Simões Filho, também vêm sofrendo a ameaça de instalação de um aterro sanitário que vai comprometer as águas e remanescentes florestais, abundantes no local. Uma das lideranças envolvidas na resistência a esse empreendimento, Binho do Quilombo, foi assassinado há 3 anos, no auge deste enfrentamento, em circunstâncias não esclarecidas ainda.

No Recôncavo, aumenta a pressão de urbanização provocada pela previsão da ponte Salvador-Itaparica, afetando comunidades tradicionais de pesca da região de Salinas de Margarida, que conquistaram em 2015 o Termo de Autorização de Uso Sustentável concedido pela Superintendência do Patrimônio da União. Lideranças femininas da comunidade, conhecidas por sua resistência histórica, foram recentemente denunciadas por uma organização que se diz defensora de direitos humanos, embora não apresente transparência de conteúdo e histórico de atuação, sugerindo fortemente uma tentativa de criminalização de vulneráveis.

Mais do que descaso ou omissão, o desrespeito às normas urbanísticas estabelecidas para implementação das áreas protegidas, as licenças ambientais totalmente permissivas e a falta de participação popular no planejamento e gestão ambiental, que vem acontecendo na Região Metropolitana de Salvador, configuram-se como um ataque ao bioma mais devastado do Brasil.

Dada essa situação preocupante, a Rede de ONGs Mata Atlântica e a Reserva da Biosfera da Mata Atlântica reforçam o pedido feito por 15 entidades locais ao MP-BA (protocolo 003.9.169054/2020) de ingresso de ADIN para reverter os danos causados pelas emendas modificadoras do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Lei de Ordenamento do Uso e Ocupação do Solo. Questionam ainda a falta de compromisso das gestões estadual e municipal com o cumprimento da Lei Federal 11.428/2006 na Região Metropolitana de Salvador, motivo pelo qual parece-nos incongruente o título de Capital da Mata Atlântica, que a atual gestão de Salvador se auto-conferiu.

Setembro de 2020

REDE DE ORGANIZAÇÕES NÃO GOVERNAMENTAIS DA MATA ATLÂNTICA-RMA

CONSELHO NACIONAL DA RESERVA DA BIOSFERA DA MATA ATLÂNTICA-CN-RBMA

Logomarca Gambá

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