19/07/2017
O Gambá, Instituto Búzios e Gaciam (Grupo de Apoio a Cidadania Ambiental) deram entrada em uma Ação Civil Pública pedindo a paralisação e a revisão do projeto de canalização do rio Jaguaribe. A obra está sendo realizada pelo Governo do Estado, em articulação com as canalizações dos rios Trobogy e Passa Vaca, já realizados pela Prefeitura de Salvador. Técnicos e ambientalistas têm criticado a concepção do projeto que deve sepultar o Jaguaribe, com impactos não mensurados em sua fauna, flora e riqueza paisagística. A partir disso, uma grande mobilização tem acontecido em torno da questão envolvendo diferentes setores da sociedade civil em defesa do rio e pela revisão do projeto que, segundo o governo, busca uma solução para os problemas de alagamento no Bairro da Paz e em condomínios da Avenida Orlando Gomes.
A ausência dos estudos de impacto ambiental; a concepção atrasada, cara e destrutiva; licença ambiental frágil e a falta de participação social são os principais argumentos da ação movida pelas instituições. Ela pede a paralisação da obra e recuperação dos danos ambientais já efetivados; plantio de mata ciliar; cancelamento da licença ambiental emitida pelo município; do financiamento de R$274 milhões feito pela Caixa Econômica Federal para a obra, além da mobilização do Comitê de Bacias do Recôncavo Norte e Inhambupe e da sociedade em geral para a discussão de futuras intervenções.
A obra já se encontra judicializada desde o fim de junho. A Ação Popular movida por um morador do entorno da foz do Jaguaribe gerou uma liminar que determinou a paralisação da obra e retirada dos tapumes – esta última não foi cumprida pelo Governo do Estado – até a realização dos devidos estudos de impacto ambiental.
Concepção atrasada e sem a medida real dos impactos
O Mestrado em Meio Ambiente, Águas e Saneamento Ambiental da UFBA preparou uma nota técnica com duras crítica ao projeto de canalização do Jaguaribe. Listando 14 pontos de inconsistência, os especialistas condenam a concepção do projeto e concluem que a “intervenção nas condições propostas representa uma grave ameaça à qualidade ambiental nas suas diversas dimensões: sociais, ecossistêmicas e econômicas, necessitando de urgente reformulação, sem o que obra nenhuma poderá ser iniciada˜.
Leia a nota técnica na íntegra
O professor Lafayette Luz aponta que um entre os estudos fundamentais para execução do projeto seria a análise de como a maré vai influir no fluxo do rio no trecho de sua foz. Isso porque, segundo ele, a técnica de canalização e revestimento parte do princípio de acelerar o fluxo de águas, o que muitas vezes acaba por transferir o problema de lugar, ao invés de resolvê-lo. Como os estudos não foram feitos, não há previsão de como um alto volume de águas drenadas em dias chuvosos vai se comportar em momentos de alta da maré, por exemplo.
Outro componente importante que foi desconsiderado na concepção do projeto foi a paisagem urbana. O arquiteto urbanista Tiago Brasileiro explica que o trecho final do Jaguaribe, que acompanha a orla na região de Patamares, é tombado pelo Iphan como paisagem cultural. “A história mostra como a paisagem daquele trecho é importante e os projetos do governo do estado e prefeitura nessa região descaracterizam completamente esse trecho, que é protegido. Podendo inclusive reduzir o valor dos terrenos, inibir atividades econômicas e de entretenimento e culturais que já acontecem ali˜, explica ele.
Participação social não existiu
Lavínia Bomsucesso é moradora do entorno da obra e critica a falta de envolvimento da comunidade na discussão do projeto “Não houve consulta aos moradores. Tem sido uma prática dos entes públicos, através das prerrogativas de governador e prefeito, determinar projetos para a cidade e estado sem passar pela consulta à população. Nós, moradores, não conhecemos o projeto, não sabemos o que vai acontecer. Tomamos contato com a existência da obra através da própria sociedade civil que se mobilizou e chamou atenção para a questão”. Ela ressalta ainda que os investimentos deveriam vir para revitalizar o rio, eliminando os lançamentos de esgoto que poluem o rio e chegam à praia, e que o modelo de parque linear proposto pelo governo não é satisfatório já que antropizaria áreas naturais em um espaço que já tem opções de lazer e convivência.
Duas instâncias fundamentais de participação social também não foram consultadas: o Comitê de Bacia do Recôncavo Norte e Inhambupe e a prefeitura-bairro de Itapuã, que segundo dizem respectivamente a Política Nacional de Recursos Hídricos e o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador, deveriam participar e deliberar sobre o projeto. A Ação Civil Pública aponta isso e também a falta de publicização do projeto, conforme manda a Lei de Acesso à Informação (Lei Nº 12.527, de 18 de novembro de 2011).
Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá, afirma que a licença única concedida pelo estado é muito frágil. Não exigiu o Estudo e o Relatório de Impacto Ambiental, nem as audiências públicas, não teve transparência no processo, nem oferece condicionantes razoáveis.
Lavínia reforça a necessidade que essas consultas e participações sejam feitas desde a definição inicial do projeto para que ele seja melhor adequado: “A cada trecho desse rio, pelo que sabemos hoje são 10 km de canalização prevista, ele tem uma necessidade. Por isso que seria importante as consultas e audiências públicas e o emprego de novas tecnologias dentro do princípio da conservação ambiental. Se fosse desenvolvido sob esses princípios ele usaria diversos tipos de tecnologia e não haveria a homogeneização de uma tecnologia ao longa da bacia como um todo (…) Queremos uma política pública participativa, construir o presente juntos para que no futuro não olhemos para trás e nos arrependamos”.