12/08/2020
Cerca de 40% dos usuários do trem do subúrbio estão abaixo da linha da pobreza, contando com renda mensal menor do que R$260, um quarto do salário mínimo. Com a iminente interrupção do modal que custa R$0,50 por viagem para a instalação do monotrilho proposto pelo governo do estado, 44% dos atuais passageiros não terão condições de pagar a tarifa de R$4,20 do sistema de ônibus e 70% terão que reduzir o uso. Os dados são do estudo realizado pelo Ministério Público da Bahia em parceria com a Rede Cidade Popular, Tec&Mob e Bákó (UFBA). Eles mostram que a retirada do serviço de trem que há 150 anos conecta o subúrbio vai deixar cerca de 6 mil pessoas ilhadas, sem condições de sair de seu bairro e exercer suas atividades econômicas, principalmente os trabalhadores informais.
Buscando solução para esse problema que deve agravar ainda mais as condições sociais dessa parcela de moradores do subúrbio, o MP-BA e Gambá ingressaram com Ação Civil Pública pedindo providências do poder público estadual para garantir o acesso dessas pessoas à mobilidade. Uma interposição de agravo foi aceita parcialmente pela desembargadora Telma Laura Silva Britto, que ordenou o encaminhamento de estudos para mitigar os danos aos usuários durante os 27 meses nos quais está prevista a implantação do monotrilho. O Estado, no entanto, está procurando reverter a decisão. O prazo dado pela desembargadora expirou em 06 de agosto, mas nenhuma providência foi apresentada.
A falta de medidas que garantam a mobilidade desses moradores representa um perigo de retrocesso social que deve piorar muito a sua condição de vida, defende a ação. É o caso de Carlene Moreira de Jesus, moradora de Fazenda Coutos I que até se afastar do trabalho por conta de um problema de saúde usava o trem todos os dias de semana para trabalhar no bairro de Praia Grande e três vezes por semana para ir à fisioterapia em Mares. Mesmo não estando entre os usuários com renda inferior a um salário mínimo, quando o trem parar ela terá que apertar as contas para conseguir sair do bairro, “vou ter que economizar em alguma outra coisa que já uso. Vejo na estação as mulheres chegando com 2 ou 3 filhos. Quando o trem quebra, elas não têm como pagar o outro transporte e a gente procura ajudar a completar os R$4,20 da passagem. Se tirar o trem vai fazer falta para muitas pessoas, vai ficar horrível”. Ela lembra de dificuldades que já passou com outras mulheres que, como ela, usam o trem para ir ao trabalho de empregada doméstica, “muitas vezes a gente ia andando pq só tinha esse 1 real. Quando soubemos que o trem ia parar começamos a pensar e combinar de ir de transporte de manhã e voltar a pé à noite”, conta ela.
Esses impactos econômicos para seus usuários não foram devidamente mensurados no Estudo Socioeconômico realizado pelo consórcio construtor e nem previstas as medidas mitigatórias que amparem pessoas como Carlene. Embora o MP-BA e Gambá sugiram algumas medidas para garantir o direito à mobilidade dos moradores que dependem do trem, o pedido foi que o Judiciário, respeitando a esfera de atuação do Executivo, determinasse um prazo para apresentação de um plano capaz de garantir o direito à mobilidade dessa população vulnerável, “a decisão é no sentido de que o Estado realize os estudos e tome medida mitigadora em relação a essa situação. Alguma postura ele tem que adotar, não pode simplesmente esquecer essa parcela da sociedade, impondo a ela um retrocesso social. Cabe ao estado escolher uma opção que seja plausível e mantenha essas pessoas com acesso ao direito fundamental ao transporte. Agora é esperar qual será a medida e avaliar se foi adequada ou não”, explica Pedro Coelho, do escritório Coelho, Bastos e Marques, que está representando o Gambá.
Monotrilho
Com ordem de serviço assinada em dezembro de 2019, o projeto do monotrilho do subúrbio de Salvador pretende ligar o bairro do Comércio, em Salvador e Ilha de São João, em Simões Filho, com 21 estações. Posteriormente deve ser expandido para fazer a ligação com o metrô no Acesso Norte. Ele substituirá o trem do subúrbio que vai da Calçada até Paripe. O empreendimento será uma parceria público privada na modalidade de concessão patrocinada feita ao consórcio Skyrail Bahia, que reúne as empresas Metrogreen e BYD.
Previsto inicialmente para ser uma linha de veículo leve sobre trilho (VLT) o governo alegou falta de interessados em executar o projeto e mudou sua concepção para um monotrilho. Gilson Vieira, coordenador do projeto Verde Trem, que tem acompanhado a implantação e buscado defender os usuários do trem explica que o monotrilho que correrá sobre um elevado, com inúmeras desvantagens do ponto de vista ambiental e paisagístico. Ele afirma também que o custo por km do monotrilho será de R$113 milhões, enquanto na modalidade VLT esse valor ficaria entre R$ 20 e 40 milhões.
O consórcio deve investir cerca de R$1,5 bilhão para instalar a primeira fase do monotrilho e será ressarcido em parcelas anuais de R$153 milhões pagas pelo governo a partir do momento em que o primeiro trecho estiver funcionando. Isso significa que ao fim dos 20 anos iniciais da concessão o consórcio deve embolsar até R$2,8 bi das chamadas contraprestações anuais do governo. Sendo renovado até a marca de 35 anos, como está previsto no contrato, o total chegaria a R$5 bi, mais que o triplo do que o investido inicialmente. Fora isso, a concessão ainda rende uma taxa de mais de 50% da tarifa de cada passageiro transportado. Um negócio da China!