24/04/2015
Estudantes, agricultores e militantes ambientalistas estiveram reunidos nos últimos dias 17 e 18, na UFRB de Cruz das Almas, pensando juntos no futuro da Mata Atlântica do Recôncavo Sul e construindo uma carta com reivindicações para a sua conservação. O II Seminário Regional sobre Experiências em Conservação da Mata Atlântica no Recôncavo Sul Baiano, o SerMata, foi idealizado pelo Projeto Ações Ambientais Sustentáveis, patrocinado pela Petrobras através do Programa Petrobras Socioambiental, para compartilhar iniciativas em conservação ambiental sendo praticadas na região.
Para Renato Cunha, coordenador executivo do Gambá, o evento, organizado em parceria com o Grupo Ambientalista Nascentes e com a UFRB, através do PET-Mata Atlântica (Programa de Educação Tutorial – Mata Atlântica) e Levre (Laboratório de Ecologia Vegetal e Restauração Ecológica), atingiu o objetivo de mobilizar um público diverso e registrar compromissos concretos para a conservação ambiental da região. “A presença balanceada entre estudantes e agricultores foi positiva. Também acho que a carta final representa bem o que a gente precisa desencadear daqui pra frente, para não parar apenas no evento. É importante que exista uma continuidade, com iniciativas que deem conta daquilo que foi discutido”, avalia ele.
Como foi o II SerMata
O evento iniciou no fim da tarde do dia 17 com o filme A Lei da Água. O longa metragem trata das modificações no código florestal e seus impactos no meio ambiente, em especial nos recursos hídricos. A exibição alimentou o debate sobre questões importantes para a conservação das florestas, como a implantação do Cadastro Ambiental Rural (na Bahia, CEFIR – Cadastro Florestal de Imóvel Rural) e os programas de pagamentos por serviços ambientais. Surgiu daí a proposta de criar um comitê para acompanhar a regulamentação da lei de pagamentos por serviços ambientais, recém-aprovada na Bahia, a proposta consta no documento resultante do SerMata.
Em seguida, a Professora Alessandra Nasser Caiafa e o Promotor de Justiça Julimar Barreto realizaram palestra em que compartilharam experiências importantes de conservação na área. Alessandra descreveu os estudos que estão sendo conduzidos na Serra da Jiboia para planejar a melhor forma de conservar a importante área de 22.000 hectares de remanescentes florestais. Julimar deu um panorama da atuação do Ministério Público no combate a crimes ambientais, principalmente ao tráfico de animais.
Já no dia 18, com a presença de agricultores de Santo Antônio, Santa Teresinha, Castro Alves e São Miguel das Matas, as discussões giraram em torno do papel do pequeno agricultor na conservação ambiental. A mesa “A importância da Agricultura Familiar e das Experiências de Conservação” teve dois momentos diferentes, um voltado à discussão em nível regional e outro voltado às articulações em nível nacional.
O agricultor Josaphat Peixoto, a bióloga Natália Galatti e a coordenadora do Gana, Mila Fiúza, trataram da necessidade de aproximar as discussões e práticas de conservação ambiental dos agricultores familiares. Mila Fiúza falou do projeto que coordena, o Brotar Nascentes, que trabalha com restauração de nascentes utilizando também a técnica de Sistemas Agroflorestais, no município de Santo Antônio de Jesus. Natália Galati trouxe a experiência agroecológica que o Instituto Cabruca desenvolveu no Assentamento Terra à Vista, no Sul da Bahia, despertando o interesse dos agricultores locais por alguns processos como a certificação participativa de orgânicos.
Josaphat Peixoto foi exemplo de produtor que enxerga os processos ecológicos como complementares à produção. Em sua Fazenda Sete Voltas, no município de Lage, uma grande área florestada garante a água na propriedade e convive em harmonia com a produção de banana e mandioca.
No segundo momento, a mesa tratou das iniciativas de escopo nacional para a defesa do Bioma. Milene Maia, coordenadora executiva do Gambá, e Beloyanis Monteiro, da coordenação da Rede de Ongs da Mata Atlântica, trataram das articulações que estão sendo feitas principalmente em Brasília, destacando a atuação da Rede Mata Atlântica, da Frente Parlamentar Ambientalista e do Observatório do Código Florestal. Ela identificou também algumas ameaças que estão tramitando no congresso, caso da PEC 215 que, na prática, vai impossibilitar a criação de novas áreas protegidas e da Lei Complementar 140/10, que redefine as responsabilidades de cada ente federativo na política ambiental nacional e pode colocar nas mãos dos municípios tarefas que estes não têm capacidade para assumir.
Milene e Beloyanis também reforçaram a necessidade de fortalecer o voto consciente, implementar a reforma política e articular os movimentos socioambientais para fazer frente às ameaças trazidas pela bancada ruralista. “O agronegócio tem uma força política muito maior, eles têm uma bancada grande no congresso, e na verdade não produzem alimento”, afirmou Milene, ressaltando a importância do agricultor familiar. Para ela, há uma série de preconceitos mútuos que afastam os movimentos sociais do movimento ambientalista e que precisam ser superados, “nós estamos no mesmo barco e temos que remar juntos senão vamos afundar”, defende.
Maria Navegantes Alves Menezes, conhecida por Miúda, liderança do Quilombo Campo Grande (Santa Teresinha/BA) parece não ver a separação entre produzir e conservar. Ao relatar os motivos para reflorestar sua comunidade, ela cita a necessidade de aumentar a produtividade e também os aspectos culturais que ligam a comunidade ao bioma: “A única mata que a gente tinha era na área da Pedra do Monte, um ponto de visitação onde o povo ia fazer oração todo primeiro domingo do ano. Iam fazer oração, pagar promessa, dizem que existia um sino e quando tocava até o pessoal de Castro Alves ouvia. Depois botaram fogo de um lado, de outro e não temos mais a mata. Os fazendeiros de lá desmatam demais. O bom mesmo era a gente entrar na mata para ir até a pedra, mas acabou, não tem nem sombra. Lá também tinha muita ‘minação’, a gente não passava dificuldade de água. Mas depois que começou a desmatar, as nascentes sumiram todas. Se a gente não for atrás de meios para recuperar as matas fica difícil de produzir”.