10/03/2022
Por Severino Soares Agra Filho
Professor do Departamento de Engenharia Ambiental da UFBA e Conselheiro Diretor do Gambá
A percepção antropocêntrica da noção de civilização ocidental até meados do século XX estava associada ao grau da intervenção humana praticada com o seu saber e sua convicção de superioridade absoluta sobre as coisas naturais. Com o desenvolvimento de tecnologias de apropriação dos recursos naturais cada vez mais poderosas, a noção de civilização se agrega à perspectiva da produção de riqueza, entendida como a capacidade da sociedade de dispor dos bens considerados indispensáveis aos seres civilizados. A capacidade de produzir bens tornou-se, assim, um indicador de riqueza, e os incrementos sucessivos dessa produção passaram a indicar o progresso ou o grau de desenvolvimento das sociedades ou países. A ideia de crescimento da produção de bens materiais emergiu como sinônimo de desenvolvimento. Entretanto, a partir da década de 1960 ficou evidenciado que o resultado desse desenvolvimento se revelou socialmente injusto e perverso, e ecologicamente insustentável.
Durante a primeira conferência da ONU sobre desenvolvimento humano e meio ambiente realizada em Estocolmo (1972), houve o reconhecimento mundial – posteriormente confirmado na Rio 1992 – de que o crescimento econômico não significa desenvolvimento, como também de que os problemas ambientais têm origem em modalidades de produção e consumo insustentáveis (Princípio 8 da Declaração da Rio – 1992).
Proclama-se, portanto, a falência do modelo de desenvolvimento existente e preconiza-se a necessidade de alternativas que privilegiem a qualidade do ambiente como uma dimensão fundamental e base de sua própria sustentação, algo que torna imperativo o redirecionamento dos processos de crescimento econômico vigentes para um novo modelo de desenvolvimento que seja regido pela integração e sustentabilidade nas suas multidimensões (sociais, econômicas, ecológicas, institucionais, geopolíticas, espirituais e culturais). Introduz-se, então, o conceito de desenvolvimento ecologicamente sustentável e socialmente justo, o desenvolvimento sustentável, comprometido em utilizar os recursos ambientais prioritariamente para a satisfação das necessidades da população como uma forma de elevar a qualidade de vida das atuais e das futuras gerações. Um modelo de desenvolvimento definido como aquele que “atende às necessidades do presente sem comprometer a capacidade de as gerações futuras de atenderem a suas próprias necessidades”.[1]
Diante dessa concepção, a aplicação do termo sustentabilidade deve estar vinculada a processos e realização de atividades cujas intervenções sociais não comprometam a qualidade ambiental e promovam o desenvolvimento, integrando simultaneamente as dimensões sociais, culturais, ecológicas econômicas e institucionais. Desse modo, somente tem sentido o uso do conceito sustentável para as atividades que sejam compatíveis com tais objetivos e atendam aos requisitos de uma condição duradoura de sustentabilidade.
Essas condições de sustentabilidade nas suas diversas dimensões são ainda desconhecidas e tem sido um desafio científico construir as suas referências. Nesse sentido, a Agenda 21 Brasileira, acompanhando a lógica adotada internacionalmente, considerou o conceito orientador de sustentabilidade progressiva, ou seja, assumiu que a condição sustentável é no momento intangível e deve ser alcançada progressivamente a partir do melhor conhecimento e maior conscientização da sociedade. Assim, seria mais apropriado se usar a lógica de redução progressiva da insustentabilidade. Essa seria a meta central e permanente da sociedade, como também estimular as novas intervenções a adotarem as medidas mais avançadas nesse propósito. Contudo, o termo sustentabilidade tem sido usado genericamente na mídia e até mesmo por profissionais envolvidos na questão ambiental para qualificar qualquer iniciativa ou atividade que apresente algo indicando simpatia por esse tema ou para se referir a qualquer coisa considerada “melhor para o meio ambiente”[2] ou que inclua a preocupação com questões ambientais. Algumas empresas procuram associar sua imagem pública com a sensibilidade ambiental utilizando o termo “sustentável” ao divulgarem seus serviços e produtos. Quando informam sobre as iniciativas desenvolvidas, constata-se que estas se restringem, em geral, a alguma forma simplória de reciclagem, por exemplo, ou à redução de determinados insumos como um modo de rotular a sua atividade como sendo sustentável. Não são fornecidas quaisquer informações ou indicadores que representem uma condição sustentável duradoura e multidimensional que a atividade tenha alcançado.
O uso inadequado das palavras sustentável e sustentabilidade, além de se mostrar inapropriado, induz a percepção de que as iniciativas praticadas são suficientes e não há mais necessidade de procurar melhorias, banalizando a ideia desejada e necessária de promover a sustentabilidade. Esse uso abusivo pode refletir um inaceitável desconhecimento bem como uma atitude deliberadamente enganosa para a sociedade.
[1] NOSSO FUTURO COMUM. Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Preocupações Comuns. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1988. p. 46.
[2] ENGELMAN, R. Além do Blablablá da Sustentabilidade. In: ASSADOURIAN, E.; PRUGH, T. Estado do mundo 2013: A Sustentabilidade Ainda é Possível? Trad. Jorge Luis Ritter von Korstrisch. Salvador, BA: Universidade Livre da Mata Atlântica-UMA, 2013. p. 3-18. (versão digitalizada)